MEMÓRIA: Artigo Loucos pelo Brasil – por Márcio Moreira Alves (Coluna n´O Globo, 01-05-1999)
“Nas sacadas dos sobrados da velha São Salvador há lembranças de donzelas do tempo do imperador. Tudo, tudo na Bahia faz a gente querer bem, a Bahia tem um jeito que nenhuma terra tem”, garante Dorival Caymmi. Que grupos de jovens não sonha com um fim de semana em Salvador? Pois os alunos da Universidade de Ouro Preto ganharam o privilégio e preferiram voltar a Queimadas, na Rodovia do Sisal, sertão adentro. Endoidaram?
Explico: no verão passado 2.300 universitários de 120 instituições de quase todos os estados foram transportados pelas Forças Armadas para 195 municípios dos mais pobres do Norte e do Nordeste, num programa da Comunidade Solidária. Inventaram as formas mais variadas para ajudar as populações, mas, como sempre acontece quando a generosidade de jovens de classe média se confronta com as carências das populações interioranas, a hospitalidade dos pobres torna-se uma aula de Brasil e uma lição de humanidade. Estudantes que aceitam participar de uma experiência dessas é porque já têm consciência de que devem prestar algum serviço à sociedade em troca dos privilégios que desfrutam. Muitas vezes se comovem até as lágrimas com as condições de vida dos sertanejos e é sempre sem queixas que aceitam os incômodos e sacrifícios da estadia. Ao voltar do Amazonas com sua equipe, um professor da Universidade São Francisco, de São Paulo, escreveu: “às vezes estamos tão envolvidos no cotidiano que nos acomodamos com a realidade como se fosse algo fixo, imutável, e nada fazemos. Depois da viagem pudemos compreender com mais clareza quão importante foi termos nos afastados para então voltar com mas vontade de trabalhar pela cidadania e solidariedade na região em que vivemos”.
Os estudantes de Ouro Preto ficaram em Queimadas, onde começaram a implantar um programa de reciclagem de lixo. Escreveram, no seu relatório, que lhes deu como premio a viagem a Salvador, passando pelo Arquipélago de Abrolhos: “entendemos que não estávamos lá para mudar a cidade em três semanas, mas para iniciar mudanças nas pessoas, conscientizá-las e indicar um caminho que elas próprias iriam abrir para, aí sim, mudar as suas vidas”. Orgulhosos da contribuição que haviam dado à pequena cidade, os mineiros preferiram revisitá-la, enfrentando a soalheira na estrada, a ficar azarando as gatas na Praia do Forte ou comendo acarajé no Pelourinho.
O sentimento de solidariedade por vezes se estende às instituições que participam do Unisol, sigla do Programa Universidade Solidária. Apesar da crise de recursos, algumas universidades apóiam a volta de seus docentes e alunos às cidades onde estiveram antes, para dar desdobramento aos projetos iniciados. A Universidade Federal do Espírito Santo, por exemplo, patrocinou a volta da sua equipe a Lamarão, na Bahia, para que, em parceria com a Prefeitura e a Secretaria Municipal de Saúde, concluíssem o curso de capacitação para professores leigos, o que é exigido pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação.
As equipes da Universidade Federal de Pernambuco e da Universidade da Amazônia, de Belém, que trabalharam juntas no município de Maracanã, no litoral norte do Pará, produziram uma página na internet para divulgar o potencial turístico e ecológico da região. O relatório da equipe da Unigranrio, do Rio de Janeiro, foi escrito sob a forma de poesia de cordel, por ter trabalhado na terra de um dos mais famosos repentistas do Nordeste, Inácio da Catingueira.
A Unisol entra em seu quinto ano procurando uma reformulação a partir de propostas feitas pelos participantes. Uma delas é a sua regionalização, criando comitês estaduais e regionais, especialmente onde há maior concentração de instituições de ensino superior. Já há quatro: Pernambuco, com quatro instituições, Rio Grande do Sul, com 15, Santa Catarina, com 10 e o apoio da Secretaria de Desenvolvimento da Família, e Paraná, com 19. Falta mobilizar os três principais estados – São Paulo, Rio e Minas. Como as equipes que vão aos sertões sempre manifestam a preocupação de “deixar sementes”, ou seja, de formar pessoas que, na comunidade, possam continuar o trabalho que fazem, buscam-se financiamentos e parcerias para conseguir essa continuidade. Um exemplo é o do município de Pedras de Fogo, na Paraíba, onde a equipe da UFRJ constatou um alto índice de pessoas hipertensas. A professora Ana Inês Sousa, líder do grupo, conseguiu montar um programa de pesquisa e controle com a Prefeitura e os agentes comunitários de saúde.
Este ano, o prêmio não será dado pelos relatórios apresentados, mas por projetos a serem executados. Há 53 projetos inscritos concorrendo para ganhar os três prêmios de 20 mil reais cada, no Prêmio Banco Real-Comunidade Solidária; que será outorgado no dia 6 de maio, em São Paulo.
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