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terça-feira, 2 de março de 2010

MEMÓRIA: Artigo Carta Sobre a "Democratização das Repúblicas Federais"

MEMÓRIA: Artigo "As repúblicas de Ouro Preto e a falta de movimento do Movimento"
(2006)
FONTES: diversas

“A “Carta de Princípios do Movimento pela Democratização da Moradia Estudantil na Universidade Federal de Ouro Preto” é um documento rico de argumentos autoritários. Traços de um Estado stalinista misturado com um Estado neoliberal. Uma salada completa. É uma carta repleta de termos como “critério”, “regimento”, “proibição”, “regulamentação”, “racional”. A Carta não comportou palavras como “participação”, “diferença”, “pluralismo”, “soberania”, “autonomia” e “democracia””

As repúblicas de Ouro Preto e a falta de movimento do Movimento

Otávio Luiz Machado -Ex-Aluno da República Aquarius de Ouro Preto e Pesq. da UFPE


Todos os movimentos que buscam o aperfeiçoamento de instituições, a mudança do país e o questionamento democrático de temas de interesse público merecem o reconhecimento e a total atenção. Na universidade são vários: movimento dos sem universidade, dos estudantes negros, dos homossexuais, das mulheres, da moradia universitária, da assistência estudantil etc.

Enquanto nas instituições públicas, sobretudo, a crítica e o comentário sempre são salutares, cremos que ela deve estar atenta aos comentários que surgem tanto dentro como fora de seus espaços.

A universidade pública soube se explicar quando passou por intenso bombardeio no final dos anos 90. O corporativismo, a ineficiência, o burocratismo, o alto custo e a elitização dos cursos eram as críticas mais recorrentes. Um grupo de professores, por solicitação da reitoria da USP, por exemplo, através da Comissão de Defesa da Universidade Pública instituída junto ao Instituto de Estudos Avançados da USP (IEA/USP), no final de 1998, produziu um documento intitulado “A presença da Universidade Pública”. Logo no início seus autores alertam acerca do documento que apresentam com extrema honestidade: “Responderemos a críticas nascidas da falta de informação, mas também admitiremos dificuldades. A defesa do modelo atual não implica a defesa indiscriminada de todas as universidades públicas mantidas pelo Estado, como se fossem homogêneas – o que certamente não são. Também não indica a ausência de dificuldades, o que seria impossível”(USP, janeiro de 2000, p. 4).

O documento indicou que é importante criticar as instituições públicas, mas por outro lado, acima de tudo, que é preciso saber criticar. É preciso de números, de observações, de dados confiáveis e de muita imaginação (sociológica, histórica, antropológica, etc). E não simplesmente inspiração.

Nos últimos tempos temos acompanhado algumas opiniões sobre a questão das repúblicas estudantis federais de Ouro Preto. Não podemos fechar os olhos e dizer simplesmente que o que é comentado efetivamente não existe. Mas também não podemos admitir que certos dados sejam “plantados” justamente para reforçar os argumentos daqueles que sequer estão interessados no aperfeiçoamento da moradia estudantil universitária.

Assim, numa primeira manifestação a respeito dos questionamentos oriundos do chamado “Movimento pela Democratização da Moradia Estudantil na UFOP” (MDME), que inicialmente guardo o maior respeito, gostaria de ressaltar alguns pontos que anotei depois da leitura de alguns textos produzidos pelo Movimento e seus membros. O que também reforça nossa opinião concordante ou discordante com outros movimentos e pessoas.

O que sabemos das políticas de assistência estudantil nas gestões dos presidentes Lula e Fernando Henrique não são nada animadoras. Em ambos os projetos, a pauta principal é o acesso dos estudantes e não sua permanência. O quadro não se altera ainda com a incompetência ou mesmo subserviência de muitos administradores universitários que estão nas instituições de educação superior nos últimos anos. Para muitos postos-chaves nas instituições não se indicam ou se elegem nem educadores nem administradores. Mas membros das elites burocráticas que assumem certas posições políticas.

Não concordo com o Movimento (MDME) sobre uma mera aparência da autogestão das repúblicas. Aceitamos o argumento de que em algumas repúblicas existem trotes desnecessários, preconceitos e altas taxas para a manutenção dos moradores. Mas não podemos generalizar.

As opiniões do Movimento (MDME) sobre a “batalha de vaga” são confusas. Tecem um quadro de violências, de homofobia e de detalhes que não podem ser encontrados na maioria das repúblicas federais. Mas que podem ser encontrados nas chamadas repúblicas particulares, nas pensões estudantis ou no próprio campus universitário. O que é diferente de sua inexistência nas chamadas repúblicas federais.

Algumas repúblicas realmente possuem taxas de permanência extremamente exageradas. Sugiro ao movimento das repúblicas estudantis federais que enviem uma solicitação às repúblicas que se enquadrem neste item para que incluam aos custos a ser rateados por todos os moradores apenas o custo básico para a sobrevivência dos moradores da república. E que apresentem isto como atrativos aos novos moradores.

A vida em república não possui custo zero, seja esta federal, seja esta particular. O uso do telefone, do café da manhã, da limpeza da casa, da luz elétrica e de outras necessidades caseiras são inevitáveis. Existem ainda as despesas que não são onerosas: administração das repúblicas, realização de pequenos serviços, manutenção permanente do espaço físico das casas (pinturas, consertos mecânicos, hidráulicos, elétricos etc), manutenção dos móveis e da organização interna das casas.

As despesas não onerosas, que são maioria nas repúblicas, não exigem influência econômica e política dos moradores. Mas a boa vontade dos moradores, senso de espírito público, iniciativa, determinação e capacidade de trabalho. Os problemas não são de recursos, mas da presença de estudantes que estejam dispostos a cuidar do patrimônio das casas e das pessoas com ousadia para organizar sua rotina acadêmica com a caseira.

Como faremos para contemplar os estudantes que passam no vestibular e não possuem recursos nem para pagar a taxa de matrícula? Como dividiriam as despesas básicas da residência? O argumento meramente econômico não resolveria o acesso de moradores extremamente carentes. Suponhamos que teriam uma bolsa para pagar as despesas caseiras. Estariam dispensados de “pagar” as despesas não onerosas? Não.

Assim, os que mantêm as repúblicas precisam exigir dos novos moradores um compromisso com a casa. Que assumam responsabilidades independentemente de sua condição econômica. Que sejam selecionados pelos moradores e possam contribuir com seu trabalho, mas não pela ostentação de sua condição econômica. Que estes estejam interessados pela vida comunitária e não sejam apenas empurrados para lá por causa de sua condição econômica. Que estes possam trocar experiências com estudantes de formações culturais, condições econômicas e origens geográficas diversas. A própria universidade não teria condições de selecionar os alunos e levá-los para estas repúblicas com instrumentos necessários para o estabelecimento de uma vida universitária produtiva.

O caráter democrático do Movimento (MDME) merece algumas ressalvas. Na “Carta de Princípios do Movimento pela Democratização da Moradia Estudantil na Universidade Federal de Ouro Preto” há uma intensa repetição do termo “democratização”. A quem afirme que o documento é um resultado das reais intenções do Movimento: a criação de um gesto político para grupos partidários.

Ao se acusar as repúblicas federais de antidemocráticas, o movimento comete um dos seus primeiros equívocos. A forma colegiada de decisões, a cobrança da participação de todos nos assuntos da República e o incentivo à ação dos indivíduos é algo permanente na moradia estudantil universitária de Ouro Preto.

Sinto-me indignado, para não dizer horrorizado, com a falta de argumentos satisfatórios e da ausência de uma estratégia democrática por parte do “Movimento pela Democratização da Moradia Estudantil da Universidade Federal de Ouro Preto” para defender as suas palavras. Em qualquer movimento democrático, além do mínimo de veracidade naquilo que se apresenta, o respeito às pessoas é imprescindível. Muito mais horrorizado fiquei quando li na “internet” uma garota incitando a leitura de um artigo meu sem ao menos fazer uma compreensão adequada do mesmo para emitir comentários plausíveis: “Leiam a tosqueira desse artigo (...) E ainda o cara tem a cara de pau de colocar referencias bibliográficas”. Gostaria de debater pessoalmente com o Movimento (MDME) para apresentar o que possuo de argumentos naquilo que falo e naquilo que escrevo.

Com todos os erros das repúblicas – assumidos ou não –, creio que elas ainda representam um elemento dinâmico do mundo universitário. O debate acadêmico, as festas de estudantes, os cerimoniais acadêmicos e o estímulo do trabalho em grupo são de uma riqueza extrema. E é fundamental ressaltar que os atuais moradores das repúblicas são os responsáveis por todo o patrimônio da República – o que não é pouco –, que foi construído e reconstruído pelo trabalho e sacrifício de vários outros moradores. O mais importante é perceber que as novas conquistas e o trabalho feito atualmente pelos moradores superam muitas falhas, dificuldades e desatenção daqueles que não mais as habitam. Muito do que foi pensado, iniciado ou até mesmo deixado de lado pelos antigos moradores está sendo feito pelos atuais moradores das repúblicas federais de Ouro Preto. O que é muito animador. São melhorias oriundas de experiências acumuladas ao longo do tempo.

É a configuração de um esforço que enfrentou a repressão de vários governantes autoritários, a incompreensão de vários reitores e a ganância dos mais diversos interesses políticos e econômicos de Ouro Preto e região. Quando falarmos das repúblicas da UFOP, ainda precisamos nos lembrar da prisão de muitos militantes estudantis, do exílio de vários republicanos ou do desligamento de estudantes que estavam lutando por uma vida universitária além das mesquinharias e do individualismo que se apregoava (e apregoa).

A forma de apresentação do Movimento (MDME) não deixa brechas para o diálogo e o aperfeiçoamento das repúblicas. É de uma radicalidade extrema. Os novos moradores que eles querem colocar nas repúblicas sequer serão membros participantes do processo de moradia. Assim não possuirão voz e vez. Serão meros beneficiários dos programas sociais da Universidade sem atuação nos seus espaços. O sonho de qualquer estudante acomodado está sendo incentivado com estes argumentos.

A “Carta de Princípios do Movimento pela Democratização da Moradia Estudantil na Universidade Federal de Ouro Preto” é um documento rico de argumentos autoritários. Traços de um Estado stalinista misturado com um Estado neoliberal. Uma salada completa. É uma carta repleta de termos como “critério”, “regimento”, “proibição”, “regulamentação”, “racional”. A Carta não comportou palavras como “participação”, “diferença”, “pluralismo”, “soberania”, “autonomia” e “democracia”. Há apenas a repetição da palavra “democratização”. Evocam um Estado que seria capaz de fornecer moradia gratuita a todos os que se enquadrassem em certos regulamentos e critérios. Falam em Estado neoliberal e em reitoria incompetente, mas porque pensam em jogar a decisão de tudo que passa nas repúblicas federais nestas mãos? Qual o motivo da retirada do poder dos estudantes das decisões republicanas? Seria para a subida de uma cúpula burocrática e autoritária?

Com um possível estabelecimento de um critério sócio-econômico para os novos moradores das repúblicas, cremos haver um estímulo à diminuição da atuação estudantil em torno dos próprios da Universidade. A burocratização do processo de ocupação das casas, o conseqüente descompromisso crescente dos moradores com a atividade coletiva e o sucateamento dos imóveis abriria um espaço importante para a venda das casas para a iniciativa privada.

Um diálogo necessário entre todos é importante neste momento. Sem demagogia e sem aventuras. Não podemos perder o que foi conquistado. O atual prefeito de Ouro Preto fez importante declaração em 2002:

“Entre o excesso de som e a falta de tom no 12 de Outubro, as “repúblicas” precisam firmar um novo pacto com a comunidade que as acolhe. É inimaginável que Ouro Preto possa perdê-las, recolhidos os estudantes a prédios novos no Campus do Morro do Cruzeiro. Os estudantes fazem parte do patrimônio vivo de Ouro Preto. Seria inconcebível a paisagem sem que eles a atravessassem, com as fantasias do trote, o batuque do carnaval, as brincadeiras jocosas, a alegria da vida que começa a ganhar o mundo (OSWALDO, 2002).

È difícil a feitura de uma autocrítica neste momento por parte de todos. Um esforço é necessário para que Ouro Preto seja a grande vitoriosa ao término desta etapa. Provocações e agressões apenas pioram a situação. Um debate aberto e democrático é o suficiente e necessários para as grandes mudanças que queremos. Longe da ambição política daqueles que usam as repúblicas para a exposição pública.

Bibliografia

MACHADO, Otávio Luiz. “As ´repúblicas´ e a expansão da educação superior: o caso da UFOP”. In: Jornal da UFOP, maio/julho de 2004, p. 11.

OSWALDO, Ângelo. “Reproclamação das ´Repúblicas´”. In: texto para a Exposição Ouro Preto, Juventude, Tradições e Movimentos Sociais, Museu Casa Guignard, 2002.

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO – USP. A presença da Universidade Pública. São Paulo: USP, 2000.
Atualizado em ( 18-Jan-2007 )

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