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segunda-feira, 29 de março de 2010

Federais mineiras criam cursos que nem sala têm

FONTE:
http://www.uai.com.br/htmls/app/noticia173/2010/03/28/noticia_minas,i=153337/FEDERAIS+MINEIRAS+CRIAM+CURSOS+QUE+NEM+SALA+TEM.shtml

Federais mineiras criam cursos que nem sala têm

Déficit de estrutura em novos cursos decepciona alunos. Graduações criadas por programa de expansão enfrentam da prosaica falta de espaço físico até carência de professores e aulões coletivos


Glória Tupinambás - Estado de Minas

Publicação: 28/03/2010 08:16 Atualização: 28/03/2010 09:54


Aula à distância no curso de Engenharia da UFMG e computadores sem monitor na UFOP

Estudantes que se aventuram em novos cursos de graduação criados recentemente pelas universidades federais encontram um cenário preocupante em Minas: faltam salas de aula, professores, material de ensino, laboratórios de pesquisa e, principalmente, respeito aos alunos. Nesse território dos "sem-sala" está Simone Cristina Avelar, de 28 anos, do novo curso de design de moda da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Toda entusiasmada com seu primeiro dia de atividades, ela imaginou que iria encontrar carteiras novinhas, laboratórios com computadores de última geração e espaço suficiente para dar vazão à criatividade. Mas, nos dois primeiros períodos, só se deparou com decepção. Além da ausência recorrente de professores, ela e toda a turma foram obrigados a passar incontáveis horas vagando pelos pátios da Escola de Belas Artes por falta de espaço para as aulas.

O tempo passou e hoje, no terceiro período, a situação se tornou ainda mais grave. Nos corredores da escola, materiais adquiridos para atender a demanda do curso acumulam poeira em caixotes lacrados. O motivo seria cômico, se não fosse sério: falta espaço físico para acomodar alunos, manequins, computadores e mesas de desenho. Para abrigar a turma, a universidade cogita até transferir a tradicional biblioteca da Escola de Belas Artes para a Praça de Serviços da instituição, no câmpus Pampulha.


Saiba mais...
Aulas começam e obras não acabam
Alunos convivem com poucos livros e muita água
Estudantes chegam antes da estrutura Há exemplos semelhantes em muitas graduações inéditas criadas pelo Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), lançado pelo governo federal em 2007. Na UFMG, sobram reclamações também nos novos cursos de cinema de animação e artes digitais, arquivologia, antropologia e engenharia de sistemas.

No interior do estado, a carência de infraestrutura atinge da mesma forma alunos das universidades federais de Ouro Preto (Ufop), na Região Central de Minas; de Juiz de Fora (UFJF), na Zona da Mata; e dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM). No câmpus Mariana da Ufop, as aulas são ministradas num verdadeiro canteiro de obras e prateleiras vazias na biblioteca da instituição denunciam a falta de livros e material científico adequado para dar suporte aos novos cursos de comunicação social, serviço social, economia e administração, criados há um ano e meio no Instituto de Ciências Sociais Aplicadas (ICSA). Atrasos na construção de prédios e problemas na contratação de professores levaram os diretores da ICSA a pedir à reitoria a suspensão do próximo vestibular, previsto para julho.

Impasse

Assembleias, abaixo-assinados e reuniões com a coordenação da Escola de Belas Artes da UFMG já viraram rotina na vida dos alunos. Segundo a coordenadora de movimento estudantil do Diretório Acadêmico de Belas Artes, Raquel de Souza Prado, a burocracia é o principal entrave para resolver o problema. "Há um projeto de expansão do prédio, mas ele não sai do papel. Professores já aprovados em concursos ainda não foram nomeados. Os novos cursos começaram a funcionar em 2009 e a questão se agrava a cada semestre, com a entrada de mais alunos. No caso da moda, faltam ateliês e oficinas imprescindíveis para o curso", lamenta Raquel.

A aluna Simone Cristina denuncia que a falta de salas e professores é suprida com palestras e seminários. "A solução improvisada pela direção é reunir alunos de diferentes períodos para palestras no auditório. Isso é tapar o sol com a peneira. Além disso, por falta de computadores, estamos aprendendo a fazer à mão desenhos que deveriam ser digitais", diz Simone.

Nos novos cursos de engenharia, a concentração de turmas diferentes no mesmo espaço também já é usual. “Salas com 120 alunos já viraram regra nas aulas de cálculo, por exemplo. Como a disciplina é comum ao ciclo básico de várias graduações, eles reúnem as turmas. Didaticamente, isso é muito ruim, pois o professor não tem condições de tirar dúvidas e dar a atenção devida aos estudantes”, diz um integrante do DA de Engenharia, que preferiu não ser identificado.

A pró-reitora-adjunta de Graduação da UFMG, Carmela Maria Polito Braga, admite problemas pontuais em alguns cursos, mas informa que são “dificuldades transitórias que já estão sendo solucionadas”. Segundo ela, a falta de professores se deve à não aprovação de profissionais em concursos, mas, provisoriamente, outros docentes da instituição estariam encarregados das substituições. E, no caso da carência de espaço físico, ela espera que o problema seja resolvido com a inauguração de três Centros de Atividades Didáticas (CADs). O primeiro deles, voltado para cursos da área de ciências biológicas e de saúde, deve ficar pronto até o fim do ano; o segundo, de ciências humanas e sociais aplicadas, está na fase de fundação do prédio; e o terceiro, de engenharia, ciências exatas e ciências da terra, está em processo de licitação.

"Não há alunos sem aulas na UFMG e temos apenas casos pontuais de problemas. Nesses processos de criação de cursos há uma transitoriedade. As obras estão licitadas ou em andamento e os concursos para professores estão sendo realizados, mas nesse intervalo pode haver descompasso na aplicação dos recursos", afirma Carmela. Por meio do Reuni foram abertas 2 mil vagas na UFMG, que saltou de 4.674 cadeiras em 2007 para 6.670 este ano. Ao todo, 27 cursos foram criados e outros 22, expandidos. A universidade recebeu investimentos do governo federal de R$ 167 milhões: R$ 72 milhões para obras de infraestrutura e R$ 95 milhões para custeio, implantação e reestruturação dos cursos. Nesse período, a UFMG contratou 540 professores e 593 funcionários técnico-administrativos.

domingo, 28 de março de 2010

Uma cidade de estudantes: a experiência secular de Ouro Preto (Por Otávio Luiz Machado)

Uma cidade de estudantes: a experiência secular de Ouro Preto
Otávio Luiz Machado*

A cidade de Ouro Preto completou mais de 300 anos de existência. É uma cidade em que convivi há mais de 100 anos com uma vida estudantil singular, que é identificada nas casas conhecidas como “repúblicas”, nas festas tradicionais lideradas por estudantes e na presença constante dos jovens em todos os cantos da cidade.
Uma parte dos imóveis que foram praticamente abandonados após a transferência da capital para Belo Horizonte – que se tornaram fartos no final do século XIX e início do XX – foram ocupados por diversos estudantes de Ouro Preto que, além de contribuir para sua conservação, também permitiu o começo da formação de uma imagem de “cidade de estudantes” à antiga capital.
O início da organização de um sistema de “repúblicas” com imóveis permanentes para os estudantes ocorreu nos anos 1930, quando o Diretório Acadêmico da Escola de Minas empreendeu intercâmbio com a Casa do Estudante do Brasil, cuja sede era no Rio de Janeiro. Como providências tomadas pela Casa do Estudante do Brasil à iniciativa dos estudantes de Ouro Preto, foi construído um projeto para a cessão de casas aos estudantes, mas dentro de um processo muito vagaroso, conforme ofício datado de 9-3-1938, que foi assinado pelo Secretário Geral da Casa do Estudante (Nelson Ferreira):

“Comunica que, embora esteja empregando todo o empenho para cooperar na campanha pela Casa do Estudante de Ouro Preto, ainda não conseguiu a audiencia pedida ao sr. Presidente da República, e aguarda que ella seja marcada para fazer entrega dos documentos desse Directorio em favor util e generosa iniciativa”.

Os estudantes também tiveram presença no debate sobre a regulamentação da profissão do Engenheiro (de 1933), no debate educacional do Estatuto das Universidades Brasileiras (de 1931) e na melhoria do ensino na principal instituição educativa da época, que lhes rendeu uma importante homenagem num dos jornais da época:

“Em Ouro Preto não se dá o estacionamento. Tanto na Escola de Pharmacia como na grande Escola de Engenharia, reina, o anno inteiro, a disposição, a harmonia, a persistencia, a actividade laboriosa e empreendedora de uma colmeia. Ouro Preto é uma colméia, a esplendida colméia intellectual e juvenil do nosso paix. Já não é a primeira vez que aquelles moços dão exemplo de trabalho e de brio aos governantes de nossa terra! Já no anno passado, creio, ouviu-se o grito de alarme dos estudantes da Escola de Minas contra a invasão de professores sem concurso, ocupando as cadeiras da Escola. Depois o protesto vehemente contra a despresivel promoção por “decreto”. E foi sempre assim, sempre que o commodismo utilitarismo e a cegueira dos que “mandam”, pretendem aviltar a e desmoralizar a classe estudantina, lá vem o protesto vehemente, conformante daquelle pugillo de moços, conscientes e briosos do que fazem” (Artigo “Os estudantes de Ouro Preto”, jornal “A Imprensa”, 09-12-1934, assinado por A.M.A.C.)
A versão completa do artigo está em: http://exalunosdeouropreto.blogspot.com/2010/03/artigo-os-estudantes-de-ouro-preto.html

Na década de 1930, como ainda é pouco divulgado, os estudantes ainda fundaram a Revista da Escola de Minas (que é uma das primeiras revistas científicas do Brasil desde 1936), a Sociedade Excursionista Espeleológica (que ajudou a difundir a nova ciência no Brasil desde 1937), o Diretório Acadêmico da Escola de Farmácia (de 1931) e o Diretório Acadêmico da Escola de Minas (de 1931), sem falar na recuperação do Centro Acadêmico de Ouro Preto (fundado em 1915).
Foi também uma década marcada pela fundação ou consolidação de várias repúblicas estudantis que ainda existem nos dias de hoje, como a Arcá de Noé, Consulado, Canaan, Castelo dos Nobres e Vaticano, assim como pela intensa divulgação de Ouro Preto como “cidade dos estudantes”.
Um dos maiores divulgadores dos estudantes foi o magnífico escritor Manuel Bandeiro. Incluindo a vida universitária no seu famoso “Guia de Ouro Preto” (1938), Bandeira escreveu um texto intitulado “de Vila Rica de Albuquerque a Ouro Preto dos Estudantes”, que incluí os estudantes na própria história de Ouro Preto.

“Não se pode dizer de Ouro Preto que seja uma cidade morta. Morta é S. João d´El-Rei. Ouro Preto é a cidade que não mudou, e nisso reside o seu incomparável encanto (...) Em Ouro Preto ainda se recorda a sua elegância impecável, o requinte das suas roupas e das suas maneiras. No seu tempo a cidade vivia ainda com um certo brilho mundano que a mudança da capital arrebatou. Hoje ela é a cidade dos estudantes. São êles que lhe dão vida e animação. Depois do jantar descem o rapazes das Lages, onde as repúblicas alternam com os casebres das mulatinhas besuntadas de rouge e pó de arroz, e vêm cruzar as calçadas e encher os cafés tão simpáticos da rua de S. José. Está claro que as mocinhas da cidade estão por alí também, passeando de braço dado. Naturalmente que se namora... Não há mais ouro, mas ainda lhe resta à Imperial cidade essa outra coisa mais preciosa que o ouro - mocidade, sorriso da velhice da Vila Rica de Nossa Senhora do Pilar” (BANDEIRA, Manuel. “De Vila Rica de Albuquerque a Ouro Preto dos Estudantes. In: Crônicas da Província do Brasil”, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1937, p. 9-32).

Dez anos depois, a escritora Rachel de Queiroz também publica texto que manteve opinião semelhante à de Bandeira. O registro de uma viagem sentimental de uma das nossas principais escritoras a Ouro Preto, nos anos 1940, também não deixou esquecidos os estudantes da cidade, que até hoje não passam desapercebidos por qualquer turista:

“E no meio das pedras mortas e das casas vazias, vereis por tôda parte os estudantes de Ouro Prêto subindo e descendo as ladeiras, enchendo os cafés, tão anacrônicos e ao mesmo tempo tão bem situados naquela cidade que é sua, quanto a passarinhada da serra que faz algazarra nos beirais das velhas igrejas; ouvireis suas serenatas e seus discursos filosóficos, e depois no ar frio da serra a lua subir, iluminando as tôrres redondas de São Francisco, o Alto da Fôrca e o Morro da Queimada, e sentireis que o mundo não são apenas aquelas loucas cidades onde vivemos, não é só competição, dinheiro ou política, mas também êste silêncio, esta beleza, esta paz” (QUEIROZ, Rachel de. “Ouro Preto”. In: O Cruzeiro, 01/05/1948, p. 90).

Os estudantes, que foram fundamentais para manter a cidade viva desde a transferência da capital de Minas Gerais (em 1897), portanto, começam nos anos 1930 a construir um sistema de repúblicas com imóveis permanentes que favorece a criação da imagem de “cidade de estudantes” à Ouro Preto.
Os primeiros resultados do protagonismo estudantil só começam a aparecer nos anos 1940, com a criação da Casa do Estudante de Ouro Preto, seguida da Casa do Estudante da Escola de Minas nos anos 1950, da compra sistemática de casas para repúblicas nos anos 1960.
Nos anos 1960, a preocupação com a expansão da educação superior foi assunto relevante tanto na gestão de João Goulart, quanto de Castelo Branco. As suas políticas públicas projetavam que, em 1970, o Brasil estaria recebendo, na educação superior, 50% dos estudantes que concluiriam o grau médio em 1969, bem como manteriam 30% dos professores e estudantes em regime de tempo integral, metas que não foram alcançadas.
Em Ouro Preto, a falta de moradia foi discutida pela congregação da Escola de Minas em 1962, pois, sem a resolução deste problema, analisava-se de que não haveria possibilidade da vinda de novos estudantes e professores, o que significava o estagnamento da instituição.
No ano seguinte, este debateu ocorreu também na Comissão de Administração da Escola de Minas, e um dos debatedores, o Prof. Joaquim Maia, lamentava que a Congregação da Escola estivesse insensível ao seu apelo no sentido de crescimento do número de estudantes, e discordava dos seus colegas que argumentavam que "Ouro Preto não dispõe de alojamentos suficientes e condignos para maior número de professores e alunos” (Atas da Comissão de Administração da Escola de Minas, em 03 de setembro de 1963).
O debate permitiu o surgimento de medidas concretas a partir de 1965, com a apresentação do anteprojeto da obra de construção da “cidade universitária da Escola Federal de Minas de Ouro Prêto”, pelo escritório técnico do famoso arquiteto Sérgio Bernardes, feito a pedido da Fundação Gorceix, em parceria com a Escola de Minas, e que previa também a construção de moradia para estudantes. As obras ocorreram em seguida, mas passaram por problemas em decorrência do não cumprimento de normas do Instituto do Patrimônio. Da mesma forma, surgiu o debate sobre a transferência de todas as “repúblicas” para a cidade universitária que estava sendo construída, retirando todos os estudantes do convívio com a cidade, algo que não foi adiante, pois se teve a compreensão de que os estudantes também eram parte importante do conjunto da cidade de Ouro Preto.
Em 1969, com a criação da UFOP, a expansão do número de alunos de Engenharia e Farmácia foi natural, assim como a compra de mais residências para estudantes (com a reforma em diversos imóveis danificados).
Também houve um forte embate do Diretório Acadêmico da Escola de Minas (DAEM) com a reitoria no período. Os estudantes consideravam como princípio primordial a própria seleção dos moradores das repúblicas, justificando que


“a escolha dos novos colegas é de inteira competência e interesse dos elementos veteranos, com que conviverão, não cabendo, portanto, interferência de elementos alheios a estas pequenas comunidades. A convivência entre seres humanos não pode ser imposta” (Ofício DAEM, de 23 de novembro de 1971).

Foi em plena ditadura civil-militar que a afirmação de princípios irretocáveis da vida estudantil foi objeto de luta dos estudantes, bem como aconteceu as piores atrocidades em nome da “democracia”: a invasão de repúblicas por militares e civis, prisões, torturas, preconceito e intimidação aos estudantes.
Outro importante movimento foi dado com a construção de casas no campus universitário nos anos 1980, que foi fruto da luta do movimento estudantil, também.
Com a ampliação do número de vagas da UFOP, nos anos 1990, a ocupação de imóveis particulares explodiu, e com ele o aumento significativo dos conflitos entre estudantes e os moradores antigos da cidade.
A UFOP continua a se expandir nos dias de hoje, seja em Ouro Preto, seja em campus pelo interior do Estado, mas é difícil que a tendência de crescimento sofra grandes abalos nos próximos anos.
A instalação de vários campi avançados da UFOP pelo interior de Minas Gerais talvez seja a hipótese mais provável para o crescimento da UFOP. A cidade-sede certamente terá crescimento reduzido se comparado com as outras cidades.
Se houver dificuldades da cidade em apoiar o crescimento da UFOP - e continue a implacável campanha contra a instituição via perseguição aos estudantes das repúblicas estudantis federais –, o mais provável é que o seu crescimento ocorra em sua grande parte fora das fronteiras de Ouro Preto. A população oriunda de camadas econômicas disprivilegiadas certamente terá muito a perder.
Anos atrás conversei com um reitor de uma das principais universidades brasileiras sobre a questão das moradias estudantis. Ele não hesitou em dizer que se tivesse uma verba de um milhão de reais não investiria em moradias universitárias, mas a usaria para abrir uma extensão de sua universidade em outras cidades. A interiorização é uma tendência. Ao invés de sair suas cidades, os estudantes cada vez mais terão chances de estudar em sua própria cidade.
Ouro Preto dificilmente perderá a fama de cidade estudantil, mesmo que o número de repúblicas permanentes da própria universidade a cada dia esteja inferior ao número total de outros tipos de moradia, o que aumentará a pressão para que os estudantes desocupem os imóveis do centro histórico ou transformem os imóveis em alojamentos sem identidade e padronizados.
Não nos causa estranheza a impossibilidade de algumas pessoas – que ameaçam atualmente as repúblicas – de convivência com os estudantes no mesmo ambiente, de respirar do mesmo ar e de trabalhar de forma coletiva para o crescimento da cidade.
Também é muito estranho que o critério socioeconômico seja novamente posto como a solução da alocação das vagas nas repúblicas, bem como a forma de atender aos estudantes oriundos das camadas baixas, mas que desconsidera a particularidade de cada república, a autonomia conquistada pelo movimento estudantil, a aprendizagem extra-curricular, a relação singular com a sociedade, o interesse dos estudantes nesse tipo de moradia e a experiência acumulada bem sucedida ao longo de décadas.
O pior de tudo é ignorar a escolha da melhor moradia pelo próprio estudante. A instituição é quem faz o acompanhamento por meio de profissionais como de psicólogos, assistentes sociais, pedagogos e tantos outros, principalmente numa universidade que oferece diversas condições de moradias para seus estudantes.
A convivência entre estudantes de origens econômicas, sociais e culturais diversas é a razão de ser de uma república de estudantes e da própria Universidade. Acabar com as repúblicas é promover o enterro da história da própria instituição, é ignorar a luta dos estudantes para a conquista das casas e é uma ingratidão com os ex-alunos (que contribuíram com a conservação dos imóveis e apoiaram a cidade em diversas oportunidades).
Esperamos que os regimes autoritários não prosperem nunca mais. E que ao invés da padronização dos comportamentos e a redução das pessoas a meros servos (conforme o posicionamento de poucos), seja dado de fato espaço à diversidade, ao protagonismo, à irreverência e à criatividade dos nossos jovens como é inegavel nas repúblicas de Ouro Preto. Retroceder nunca, render-se jamais.

*Pesquisador do NEEPD-UFPE. Autor de “Repúblicas de Ouro Preto e Mariana: Percursos e Perspectivas”, “Repúblicas Estudantis de Ouro Preto: Trajetórias e Importância” e “Repúblicas Estudantis de Ouro Preto e a Construção de um Projeto de País” e “Movimentos Estudantis, formação profissional e construção de um projeto de país” e co-organizador dos livros “Movimento Estudantil Brasileiro e a Educação Superior”, Juventude e Movimento Estudantil: Ontem e Hoje” e “Movimentos Juvenis na Contemporaneidade”.
E-MAIL: otaviomachado3@yahoo.com.br
MSN: otaviomachado3@hotmail.com
TWITTER: http://twitter.com/otaviomachado3
BLOG: http://exalunosdeouropreto.blogspot.com/

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sexta-feira, 26 de março de 2010

Artigo "Os Estudantes de Ouro Preto" (publicado em 09 de dezembro de 1934)

Título: "Os Estudantes de Ouro Preto"
Veículo: A Imprensa
Data de Publicacao: 09 de dezembro de 1934



Os estudantes de Ouro Preto são admiráveis! Elles são o orgulho da classe estudantina do Brasil. São o conforto! O seu valor! A nobreza de attitudes daquelles moços é o contrapezo satisfactorio á preguiça mental, ao descaso, á ignorancia e á falta de compostura e responsabilidade, que se notam em geral nos estudantes brasileiros. Hoje não se estuda. Poucos são os alunnos de valor que saem das Academias. Livros fechados o anno inteiro. Salas de aulas vasias. Exames comprados ou alumnos recomendados. (...) Mas lá vem o grito forte, juvenil, brioso, cantante, bonito como um toque de clarim, dos estudantes de Ouro Preto! Não querem as médias! Querem os exames. Querem estudar. Querem saber. Querem o esforço. Querem viver. Porque sabem que a vida verdadeira é aquella que o homem gasta no esforço para o seu aperfeiçoamento moral e intellectual. Porque têm consciencia do seu valor individual. Porque sabem que o estudo é a base da sua vida pratica. Porque sabem que é preciso educar o pensamento. Fazei-o trabalhar. Fazei-o raciocinar. Violentai-o á disciplina. Impedir o estacionamento, que é o mal maior dos nossos estudantes...
Em Ouro Preto não se dá o estacionamento. Tanto na Escola de Pharmacia como na grande Escola de Engenharia, reina, o anno inteiro, a disposição, a harmonia, a persistencia, a actividade laboriosa e empreendedora de uma colmeia. Ouro Preto é uma colméia, a esplendida colméia intellectual e juvenil do nosso paix. Já não é a primeira vez que aquelles moços dão exemplo de trabalho e de brio aos governantes de nossa terra! Já no anno passado, creio, ouviu-se o grito de alarme dos estudantes da Escola de Minas contra a invasão de professores sem concurso, ocupando as cadeiras da Escola. Depois o protesto vehemente contra a despresivel promoção por “decreto”. E foi sempre assim, sempre que o commodismo utilitarismo e a cegueira dos que “mandam”, pretendem aviltar a e desmoralizar a classe estudantina, lá vem o protesto vehemente, conformante daquelle pugillo de moços, conscientes e briosos do que fazem. Os estudantes de Ouro Preto... Só elles fazem a gente sorrir de orgulho e vibrar de enthusiasmo ante o naufragio das energias e de nobreza nos nossos moços cinematigraphicos....

quinta-feira, 25 de março de 2010

Manuel Bandeira defendendo os estudantes de Ouro Preto

Manuel Bandeira defendendo os estudantes de Ouro Preto


Texto “De Vila Rica de Albuquerque a Ouro Preto dos Estudantes”, de Manuel Bandeira. Publicado no seu livro “Crônicas da Província do Brasil”, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1937, p. 9-32.


“Não se pode dizer de Ouro Preto que seja uma cidade morta. Morta é S. João d´El-Rei. Ouro Preto é a cidade que não mudou, e nisso reside o seu incomparável encanto (...) O francês Castelnau esteve em Ouro Preto no govêrno do general Andréia. Foi o que levou vida mais gozada. (...) Castelnau, talvez pelas boas apresentações que trazia, pôde desfrutar livremente da sociedade feminina, onde conheceu várias senhoras "notáveis pela boa educação que haviam recebido". Ou então os hábitos mouriscos de retraimento e reclusão já tinham cedido lugar à sociabilidade que se manteve até à mudança da capital. Duas coisas aborreceram Castelnau nos ouro-pretanos: o costume de queimar bombas de estouro e de beugler devant les madones. Os turistas de hoje podem ficar descansados: nada perturba agora o sono dos viajantes senão, uma vez ou outra, alguma rapaziada de estudantes. (...) Afonso Arinos residiu alguns anos em Ouro Preto, no tempo em que ela vivia da sua "profissão de capital", como disse Burton. A sua Atalaia Bandeirante representa uma vista panorâmica da cidade olhada do alto do Caminho das Lages, mas um panorama com a quarta dimensão do passado, que a cada detalhe urbano êle rememora em traços agudos e sóbrios. Em Ouro Preto ainda se recorda a sua elegância impecável, o requinte das suas roupas e das suas maneiras. No seu tempo a cidade vivia ainda com um certo brilho mundano que a mudança da capital arrebatou. Hoje ela é a cidade dos estudantes. São êles que lhe dão vida e animação. Depois do jantar descem o rapazes das Lages, onde as repúblicas alternam com os casebres das mulatinhas besuntadas de rouge e pó de arroz, e vêm cruzar as calçadas e encher os cafés tão simpáticos da rua de S. José. Está claro que as mocinhas da cidade estão por alí também, passeando de braço dado. Naturalmente que se namora... Não há mais ouro, mas ainda lhe resta à Imperial cidade essa outra coisa mais preciosa que o ouro - mocidade, sorriso da velhice da Vila Rica de Nossa Senhora do Pilar".

Texto de Vila Rica de Albuquerque a Ouro Preto dos Estudantes, de Manuel Bandeira (retirado do livro Crônicas da província do Brasil, 1937

quarta-feira, 24 de março de 2010

ARTIGO UM PRIMEIRO ROTEIRO PARA A COMPREENSÃO DA HISTÓRIA DAS REPÚBLICAS DE OURO PRETO

UM PRIMEIRO ROTEIRO PARA A COMPREENSÃO DA HISTÓRIA DAS REPÚBLICAS DE OURO PRETO
Otávio Luiz Machado*


No momento em que a Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) possui as melhores condições de dar um salto para ampliar sua contribuição à educação brasileira, o que percebemos mais uma vez é uma intensa campanha contra a instituição.
Fui ex-morador de uma república num momento em que representávamos 1% da população estudantil da UFOP, o que indicava claramente a insuficiência do número de estudantes e da variedade de opções de cursos há poucos anos atrás.
Como a expansão da UFOP está incomodando bastante alguns grupos que não possuem legitimidade para falar em nome do “povo de Ouro Preto”, o linchamento das repúblicas federais foi a forma encontrada por tais setores minoritários para barrar o projeto dos inconfidentes, que era criação de uma grande universidade em Ouro Preto.
Com uma posição implacável contra a instituição através de ataques às repúblicas, na fala desses grupos não há espaço para o aperfeiçoamento, o diálogo aberto, o respeito à história de vida de milhares de ex-alunos e um mínimo de solidariedade aos “de baixo” da cidade.
O que é mais mesquinho em tudo que acompanhamos, além do egoísmo natural dos que não pensam na população mais desassistida que precisa de uma universidade com mais cursos e estudantes para ser capaz de construir e executar mais projetos em prol dos interesses da sociedade, é o uso político da história, a celebração do esquecimento e a inserção de interesses político-partidários acima dos interesses maiores da população.
Ao invés de ouvirmos uma vanguardinha que grita usando o nome do “povo de Ouro Preto”, acredito que seria mais justo que déssemos voz aos setores mais explorados da população para opinarem sobre quem saiu prejudicado com a interrupção do carnaval de 2010. E que respondam aos demais setores da sociedade o seguinte: quem sairá mais prejudicado com o fim das repúblicas federais do centro histórico da cidade (os primeiros passos buscando efetivar tal arbitrariedade já foram dados)?
Como é natural existir nas leituras que fazemos diariamente de textos extremamente preconceituosos contra os estudantes de Ouro Preto e a instituição UFOP (uma das melhores universidades do nosso País), notadamente com o intuito de promover um conflito de membros da UFOP com os moradores da cidade de Ouro Preto, o que se percebe nas entrelinhas do seu discurso e do lugar social dos seus enunciadores é o descompromisso com a universidade pública, o mero interesse político-partidário e a busca de oportunidade de autopromoção com o assunto que sempre teve o imenso interesse da imprensa.
O argumento mais fácil de ser rebatido da minoria que diz falar em nome do “povo” é aquele que anuncia os estudantes de Ouro Preto como atores nada importantes para a conservação do patrimônio histórico de Ouro Preto após a transferência da capital de Minas Gerais para Belo Horizonte, inclusive desvalorizando as enormes transformações na vida social de Ouro Preto após a transferência. O terreno da má fé encontrou aí o seu ponto mais alto.
Mas apresento alguns dados que podem ajudar a apontar importantes caminhos para o entendimento do assunto. Tais dados já foram utilizados nos livros REPÚBLICAS DE OURO PRETO E MARIANA: PERCURSOS E PERSPECTIVAS, REPÚBLICAS ESTUDANTIS DE OURO PRETO: TRAJETÓRIAS E IMPORTÂNCIA E REPÚBLICAS ESTUDANTIS DE OURO PRETO E A CONSTRUCAO DE UM PROJETO DE PAÍS.
Antes de prosseguir, o registro da nossa expectativa quanto aos novos trabalhos que possam surgir – para que tenhamos um pouco mais adiante avanços significativos nos estudos da área – é fundamental. Mas o que de fato precisamos lutar é o domínio de uma gestão documental mais interessada em disponibilizar as fontes documentais para amplos setores da nossa sociedade no sentido de dar sua contribuição para a construção de uma sociedade essencialmente democrática.
Para o devido conhecimento da história de Ouro Preto, além de uma infinidade de fontes que podemos recorrer, também se faz necessário a construção de um banco de som e de imagem até os períodos mais remotos que fossem possíveis.
Pelos relatos dos ex-alunos da Escola de Minas de Ouro Preto que vivenciaram o período de transferência da capital, como é o caso de Pedro Rache (formado em 1901) e de Amaro Lanari (formado em 1909), bem como dos estudiosos do cenário ouropretano no período, Vicente de Andrade Racioppi (pesquisador e Presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Ouro Preto nos anos 1930), Augusto de Lima Júnior (escritor e filho do juiz Augusto de Lima), Rodrigo Meniconi (arquiteto, Professor e autor de estudo sobre o patrimônio histórico e artístico de Ouro Preto), José Murilo de Carvalho (Professor e Pesquisador da UFRJ), José Efigênio Pinto Coelho (Pesquisador e Restaurador), José Fiúza de Magalhães (Engenheiro e Escritor), Cyntia Veiga (UFMG) e Kleverson Teodoro de Lima (Mestre em História pela UFMG e Professor do IFMG), o que percebemos na riqueza dos detalhes apresentados nesses textos não deixam dúvidas de que a presença dos estudantes não pode ser em nenhum momento descartada ou negligenciada.
Também não podemos fechar os nossos olhos aos que buscam apresentar Ouro Preto como um espaço com forte contribuição dos estudantes para a sua paisagem urbana, como é o caso de Rachel de Queiroz (escritora), de Alceu Amoroso Lima (poeta, Professor e jurista) ou de Manuel Bandeira (poeta, escritor e funcionário do Departamento de Patrimônio Nacional).
Em ambos os casos, o que podemos perceber são as transformações que culminaram na formação de um sistema de repúblicas ao longo do tempo, pois a cidade conservou e também ampliou a sua imagem de “cidade dos estudantes”, tornando a contribuição dada a cidade pelos estudantes cada vez mais forte (como ainda se é nos dias de hoje).
Até o final dos anos 1950, como a cidade ainda não havia se recuperado totalmente da decadência provocada pela transferência da capital, acreditamos que iniciativas ousadas contribuíram decisivamente para a cidade de Ouro Preto. Foi justamente aí o começo da aquisição de casas com recursos da União, como é o caso do primeiro imóvel – de uma série de tantos – adquirido pela Escola de Minas em 1958, que foi destinado para a instalação de uma república.
Então, como a ocupação das casas foi fundamental para a conservação da cidade – a exemplo do que já vinha sido feito nas décadas anteriores pelos estudantes nos prédios particulares –, o que podemos afirmar é que uma experiência acumulada durante décadas de forma bem sucedida deveria ser tratado com um pouco mais de respeito.
Não seria exagerado ressaltar que os estudantes e ex-estudantes deveriam ser tratados com um pouco mais de gratidão pelos que dizem “falar” em nome do povo de Ouro Preto, porque se os estudantes (hoje ex-alunos) – e as próprias instituições educativas da cidade – não tivessem entrado no circuito, o patrimônio histórico da cidade de Ouro Preto estaria parcialmente destruído nos dias de hoje.
Muitas repúblicas ‘particulares’ deixaram de existir ao longo de várias décadas, o que fica mais difícil sabermos o período de permanência, a quantidade de casas conservadas e o que foi feito detalhe por detalhe por cada conjunto de estudantes que habitaram diversos imóveis nos mais diversos locais, que não deixa de ser um fator em defesa da cidade.
Nos diversos documentos ou depoimentos se percebe a presença de gaúchos, cearenses, sergipanos, goianos, mineiros de regiões longínquas e tantos outros que moraram em repúblicas, como é o caso de Pedro Rache (ex-aluno formado em 1901), que nos apresenta a cidade no momento do debate sobre a mudança ou não para Belo Horizonte:

“Conservo vivas recordações esparsas dos venturosos dias da juventude. São recordações suaves, agradáveis, doces e encantadoras, em ligação com incidentes acadêmicos dos quais ocasionalmente participei. (...) Pouco depois da Proclamação da República, cogitou-se da mudança da Capital, atendendo às dificuldades naturais que impediam o desenvolvimento de Ouro Preto. Uma Constituinte especial foi convocada para tratar do problema. Reuniu-se em Barbacena. A luta entre o povo de Ouro Prêto, que se sentia prejudicado com a iniciativa, e os partidários da mudança foi rude e intensa. Ouro Preto fêz-se representar na Constituinte por alguns dos mais graduados de seus filhos que lançaram mão de todos os recursos, em defesa do velho baluarte das liberdades públicas. Mas afinal foram vencidos pela maioria, e a transferência para Belo Horizonte foi definitivamente assentada e decretada. Isto não impediu que o povo de Ouro Prêto ficasse imensamente agradecido a seus defensores e lhes preparasse estrondosa recepção, por ocasião de seu regresso da campanha perdida. O entusiasmo era indescritível! Verdadeiro desabafo de protesto! O povo vibrou e o imenso cortejo de manifestantes deslocou-se da estação para o centro da cidade, entre estrondosas aclamações aos heróis, detendo-se em pontos pre-determinados para ser ouvida a palavra dos constituintes festejados. Rocha Lagôa, Costa Sena, Camilo de Brito e alguns outros de cujos nomes não me recordo, eram os grandes heróis do dia. Deviam agradecer aquela estrondosa vibração da massa popular, reconhecida pela brilhante defesa de seus direitos. Era do programa” (RACHE, Pedro. Homens de Ouro Preto (Memórias de um estudante). Rio de Janeiro: A. Coelho Branco Filho Editor, 1954).

A partir da tese de doutorado da Professora Cyntia Veiga, defendendo que “nos pressupostos dos projetos urbanos elaborados ao final do século XIX, também estiveram embutidas as premissas de formação e educação do cidadão”, podemos ter importantes reflexões sobre o aspecto educativo que permeou tanto a transferência, inicialmente, como também se tornou um ponto que permeou o discurso dos que ali ficaram:

“A propaganda pela mudança da capital é retomada logo após a proclamação da República (inclusive com uma representação dos estudantes mineiros da Faculdade de Direito, pedindo a mudança) e dirigida ao governo provisório de Cesário Alvim (...) Os grupos que aderiram à mudança, denominados “mudancistas”, eram liderados pelo republicano mineiro João Pinheiro e os contrários, anti-mudancistas, eram em geral elementos ligados ou residentes em Ouro preto que temiam uma derrocada total da cidade e reivindicavam mudanças e melhorias, não para outro local, mas para a própria capital de então” (Veiga, Cynthia Greive. “Cidadania e educação na trama da cidade: a construção de Belo Horizonte em fins do século XIX”. Campinas: Programa de Pós-Graduação em História da Unicamp, 1994. Tese de Doutorado).


No estudo de um pesquisador respeitado (além de importante restaurador de Ouro Preto), a situação da cidade após a transferência da capital não estava nada boa para os que ali permaneceram:

“Ouro Preto entra em caos: falta d’água, funcionários da Câmara sem receber os salários, obras paralisadas, muito desemprego, estabelecimentos comerciais e hotéis fechando as portas; até o trem já não andava mais em seu horário habitual. (...) Até a paróquia de N. S. da Conceição ficou sem pároco por muito tempo, pois, não tinha recursos para sustentar um padre, isto em 1896” (PINTO COELHO, José Efigênio. A mudança da capital 1897-1987: um trabalho de restauração e pesquisa do arquivo da Câmara Municipal de Ouro Preto. Ouro Preto: Artes Gráficas Tiradentes LTDA, 1987p.5-6).

Também havia o risco de uma quase destruição da cidade de Ouro Preto no período da transferência da capital, considerando que só em décadas recentes a defesa do patrimônio da cidade tornou-se um assunto mais consensual entre os diversos grupos sociais da cidade:

“Ouro Preto foi o cenário dos meus primeiros anos de vida consciente e onde passei os mais risonhos dias da existência, despreocupado e feliz, na sonhadora fase dos encantamentos infantis. (...) Quando se mudou a Capital para o antigo arraial do Curral Del Rei, surgiram, opiniões de que se deviam derrubar aquêles templos e edifícios principais, carregando-se a pedra para as construções da nova cidade. Felizmente apurou-se logo que a economia com os cavouqueiros seria menor do que custo do transporte das pedras em Ouro Preto para o Belo Horizonte. Pois a verdade é que por ocasião da mudança da capital para Belo Horizonte, deu-se fenômeno igual ao da remoção dos judeus para Babilônia. Antes , durante e depois dessa transmigração em massa, os gemidos, murmurações e lamentos que se faziam ouvir, eram de cortar o coração. Houve mortes por paixão e saudade e muitas criaturas definhavam de melancolia de tal modo que se viram forçadas a, durante certo tempo, alternar a nova residência com a velha” (Lima Junior, Augusto de. “Serões e vigílias. (Páginas Avulsas). Rio de Janeiro: Livros de Portugal, 1952).

Para dois ex-alunos da Escola de Minas, que se debruçaram para escrever parte da história de Ouro Preto, as repúblicas estudantis tornaram-se um elemento dinâmico na cidade, cuja vida universitária foi integrada às outras tradições da cidade. Para José Fiúza de Magalhães,

“A cidade tem de mais típico o seu conjunto barroco, os museus, as igrejas e capelas e a vida universitária. (...) As repúblicas são a tradição da cidade. Hoje existe o restaurante da Universidade (bandejão), mas até alguns anos atrás , cada República possuía sua própria cozinha, tudo administrado , em cada mês, por um “Presidente”, alternadamente. Cada República tinha 7 ou 8 membros, de acordo com o tamanho da casa e algumas ainda guardam este sistema. As Repúblicas deram origem a uma forma de vida típica da cidade. (...) Á época da mudança da capital, uns achavam que a cidade projetada para o sítio de Curral Del Rey não iria adiante, outros que Ouro Preto iria morrer. (...) O fato é que tanto Belo Horizonte progrediu, como Ouro Preto manteve-se impávida, seja por ter ficado com as suas tradicionais Escola de Farmácia e Escola de Minas e outras instituições de ensino, guardando a sua característica universitária, seja por continuar abrigando o 10º Batalhão de Caçadores, que mantinha o seu efetivo de uns 500 homens, com aportes de recursos e conseqüentes dispêndios na cidade. E ainda havia a mineração e outras atividades”. Magalhães, José Fiúza de. Ouro Preto: Casos, Canções e Emoções. Um relato do folclore, da boemia, do estilo dos estudantes e de emoções vividas. Rio de Janeiro: Forense, 1989, p. 4-6).



Para o outro ex-aluno, David Dequech, que produziu uma obra muito conhecida entre os mais antigos ex-alunos de Ouro Preto – que mesclou aspectos da história de Ouro Preto com o folclore estudantil –, as Escolas de Minas e de Farmácia marcaram a sobrevivência efetiva de Ouro Preto:


“Quando o Governador eleito, Crispim Jacques Bias Fortes, tomou posse em 7 de setembro de 1894, Ouro Preto possuía 18.000 almas. Aqui se desenvolvia a intelectualidade mineira, com a Escola de Farmácia e a Escola Livre de Direito. Não era apenas a fama da vida acadêmica de Ouro Preto que atraía jovens de estados longínquos como o Rio Grande do Sul e Maranhão. (...) Desde agosto de 1897 funcionários e órgãos estão se transferindo para a nova Capital. A Central do Brasil colocou à disposição, pelo prazo de um mês, 24 carros para o transporte de pessoas, móveis, caixas com papéis do arquivo público, etc. Na estação, vivem-se momentos históricos da despedida. (...) Enquanto isso, em Ouro Preto, muitas casas são abandonadas , e a desvalorização dos imóveis é tão grande que muitas vezes nem compensa quitar os seus impostos. O comércio atacadista também se transfere. Os profissionais liberais são compelidos , em sua maioria, a buscar serviço fora dos limites da sua terra. (...) Ouro Preto resistiu. Transformou-se em cidade lírica, pacata, sem as lides políticas e comerciais que a agitaram durante 200 anos e com os recursos urbanísticos que a nova Capital levaria ainda muitos anos para desfrutar. Cidade interiorana , mas ainda o centro cultural do Estado. A Escola de Minas transferiu-se para o antigo Palácio do Governo. Em torno dela e da Escola de Farmácia, com seus alunos, funcionários, professores e familiares, sobrevivia a antiga Capital” DEQUECH, David. “Isto Dantes em Ouro Preto. Belo Horizonte, 1984, p. 66, 80-81.

Na obra mais aprofundada sobre a história da Escola de Minas – produzida no contexto do resgate da história da ciência do Brasil levada adiante nos anos 1970 –, de autoria do Professor José Murilo de Carvalho, a origem dos universitários passou por significativa mudança no final dos anos 1890, tendo como principal clientela estudantes do próprio Estado:

“A partir da República e da mudança da capital de Minas para Belo Horizonte, há progressiva predominância de alunos originários do próprio Estado, que atinge um máximo de 80% no período que vai de 1912 a 1920. Ao mesmo tempo, há redução de cariocas e fluminenses e maior dispersão entre os Estados, com presença marcante de São Paulo, Rio Grande do Sul e Ceará. É provável que o significativo número de alunos de São Paulo se deva à proximidade geográfica e ao desenvolvimento econômico do Estado. Uma economia mais complexa aumentava a demanda por cursos superiores e abria perspectivas para novas especializações. Nos casos do Rio Grande do Sul e Ceará, só me ocorre como explicação o fato de serem dois Estados relativamente importantes em termos econômicos e populacionais que no Império não tinham escolas superiores e na República não tinham escolas superiores técnicas” (Carvalho, J. M. A Escola de Minas de Ouro Preto: o Peso da Glória. 2ª ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002, p. 100

A situação de quase abandono da cidade de Ouro Preto com a diminuição da população, o que permitirá a abertura maior da cidade para sua vocação como “cidade dos estudantes”, aumentou o risco de não conservação do patrimônio histórico de Ouro Preto, o que podemos reconhecer desde então o trabalho iniciado pela Escola de Minas e das próprias repúblicas neste aspecto:


“Com a criação da Escola de Minas, patrocinada pelo Imperador e levada a efeito por Gorceix, irá consolidar-se uma nova vocação da cidade, que já sediava o Liceu Mineiro e a Escola de Farmácia, a de centro de formação e de estudo. A escola de engenharia , considerando a industrialização da província e do país, destinava-se a formar agentes de modernização; com sua extensa e consistente formação técnico-científica e seu caráter operativo, seus alunos contribuirão nas mudanças da feição do país. Posteriormente a Escola vai manter viva a cidade, devido a sua fundamental importância na vida econômica e social e à conservação das “repúblicas” e do antigo Palácio” (MENICONI, fevereiro de 2000, p.55).

Na reocupação da cidade de Ouro Preto – com a presença dos estudantes nesse momento –, que também foi objeto de um importante trabalho produzido por um ex-aluno do ICHS da UFOP, o que se percebe é uma forte migração para a cidade:

“A segunda questão refere-se ao processo de reconstrução da vida social após a migração de parte dos moradores de Ouro Preto para Belo Horizonte, outro tema tocado superficialmente pelas pesquisas rastreadas. Em 1890, sete anos antes da mudança da capital, a sede de Ouro Preto contava com 17.857 habitantes; três décadas depois esse número girava em torno de 11.857. Uma diferença, portanto, de 6.000 moradores (ou 34%) (Annuario Estatistico de Minas Gerais de 1921, Anno I, Belo Horizonte: Imprensa Oficial. 1921). Como esse percentual demonstra um número de evasão menor que o indicado no trabalho de Rodrigo Meniconi (45%), acreditamos, em sintonia com José Efigênio Pinto Coelho (1987), que a sede tenha absorvido novas levas de moradores após a fase do intenso abandono. Esse novo contingente foi composto pelas famílias que viviam nas regiões próximas a Ouro Preto e pelos estudantes que vieram ingressar, sobretudo, na Escola de Minas e na Escola de Farmácia (Jorge,1986; Coelho,1987; Carvalho, 2002; Machado, 2008).vi Eles encontraram um cenário favorável às suas acomodações, já que a evasão levou ao abandono de parte dos imóveis, gerando o aumento da oferta de compra, venda e aluguel e, talvez a prática mais comum, a ocupação não autorizada das edificações. A antiga capital parece ter se reconstruído a partir desses três setores: os remanescentes, que permaneceram por razões distintas em Ouro Preto; os migrantes que vieram das regiões próximas; e as novas levas de estudantes, que se diferenciavam pela tendência de fixação temporária. Essa divisão tripartida não deve guiar o leitor à idéia de homogeneidade, já que esses setores se dividiam em grupos sociais distintos com discursos e interesses próprios. Diante da necessidade de reconstrução das redes de sociabilidade após a mudança da capital nos perguntamos: como se deram as relações de aproximação e estranhamento entre esses três setores? É possível identificar em seus valores e práticas culturais pontos de misturas, superposições e resistências? Que nova cidade surge nesse período?” (LIMA, Kleverson Teodoro de. “Reconstrução Identitária de Ouro Preto Após a Mudança da Capital”. Ver em: http://www.ichs.ufop.br/memorial/trab2/h561.pdf)

Nada mais significativo dos registros foi o depoimento do ex-aluno idealizador da Fundação Gorceix. No momento em que a Escola de Minas demonstrava a perda do seu antigo vigor, mais uma vez a questão da moradia estudantil foi trazida, tendo como parâmetro o início da formação de seu sistema de repúblicas:

“No meu tempo de estudante, o máximo de alunos que atingimos nas 6 séries foi o de 28, se bem me lembro; a cidade estava em plena decadência, devido à mudança da capital para Belo Horizonte e à transferência de grande parte da sua população para a sede do Governo Mineiro. As casas, nem sempre habitáveis, sobravam; seu aluguel era irrisório e os pretendentes podiam usar do direito de escolha. De então para cá as coisas mudaram: o número de alunos cresceu, como cresceu, também, em proporção maior, a população da cidade. Dizem-me, a propósito, não sei de conhecimento próprio e não me levem a mal por isto, que a intenção é a melhor possível, que em Ouro Preto, atualmente, qualquer casinha de pau a pique é bangalô de Nhônhô, e sobrado e casa de pedra, solar de Sinhô, tais as alturas de seus preços e aluguéis. Esclareço, neste ponto, que considero sagrado e intocável o que existe em Ouro Preto de recordação do seu passado glorioso de Metrópole dos Mineradores, dos tempos áureos do século XVIII, do seu fausto e grandeza, de suas lutas, da Inconfidência e seus mártires, dos seus poetas, dos grandes homens que produziu e, também, do Ouro Preto que vivi, pobre e exaurido, dos tempos de Gorceix e seus primeiros sucessores. Isto, entretanto, não significa que a cidade, preservado o monumento nacional, não possa crescer e abrigar, condignamente, os mestres e estudantes de minas” (Discurso de Amaro Lanari, no 12 de outubro de 1959. Publicado na Revista da Escola de Minas e no livro “Escola de Minas: palavras de devoção e amizade”, Ouro Preto, 1959).

A reação à iminente destruição da cidade de Ouro Preto pode ter sido mais significativa com um artigo de Tristão de Athaíde (Alceu Amoroso Lima) em 1916.
Suas palavras foram essenciais para a adesão de outros intelectuais à causa, que produziu importante estudo publicado em 1938 sob o título “Guia de Ouro Preto”. Manuel Bandeira provocou com uma importante convocação: “Meus amigos, meus inimigos, salvemos Ouro Preto”,
No belo estudo de Bandeira apresenta um imóvel (que permaneceu durante longas décadas abandonado):

“No caminho das Lajes note-se o belo sobrado, que foi residência da família Mota. Pertenceu ao Barão do Saramenha e abrigou uma república de estudantes, o ‘Castelo dos Nobres’” (BANDEIRA, Manuel. Guia de Ouro Preto. Ilust. De Luís Jardim. Rio de Janeiro: Tecnoprint, 1967, p. 83).

Outro texto de Manuel Bandeira, “De Vila Rica de Albuquerque a Ouro Preto dos estudantes”, publicado em 1937 no livro “Crônicas da província do Brasil”, mais uma vez a importância dos estudantes para a cidade é referenciada. Outro livro, agora de autoria de Gastão Sebastião de Souza, cujo título é “O Aleijadinho de Vila Rica” (de 1933), também é referenciada a “Ouro Preto dos estudantes”.
Também indicaria os diversos jornais que circularam em Ouro Preto no final do século XIX, assim como os estudos apresentados na forma de teses, dissertações e monografias, que não deixam dúvidas sobre a importância histórica dos estudantes.
Tristão de Ataíde, o Alceu Amoroso Lima, havia manifestado, anos antes, a potencialidade de Ouro Preto para o ensino superior, através de artigo escrito para o GLTA:

“Pois aquilo que foi outrora S. Paulo, no tempo em que era a cidade dos estudantes, é hoje Ouro Preto. Seria aqui o logar ideal para uma grande Universidade. E estou convicto quwe ainda o será alfgum dia no futuro, quando os políticos e educadores se convencerem que é nas cidades pequenas que se levantam, em geral, os maiores centros de estudos – Coimbra ou Salamanca, Oxford ou Bohuhe, Cambridge (Harvard) ou Recife. Ouro Prêto eis o ambiente ideal para uma grande Universidade, no dia em que houver clima, no Brasil, para a verdadeira vida universitária, em que professôres e alunos, conjugados, viverão exclusivamente para as obras de estudo, de ensino e de pesquisa. Nesse dia, que é o alimento de nossa Esperança, a velha semente de Gorceix será o núcleo de uma vida intensa e profunda, em que milhares de estudantes farão de tuas montanhas as paredes de tuas Faculdades, de ciências e de Letras, em que as tuas ladeiras serão os caminhos para os passeios peripatéticos, em que teus monumentos serão os museus e as “repúblicas” desmanteladas de hoje serão as “fraternities” e as “sororities” de amanhã em que alunos e alunas, entre as casas de residência dos professôres, as salas de aulas, os laboratórios, os anfiteatros, farão da cidade outrora morta ou agonizante, o maior centro cultural de nossa terra. O passado será então a semente do futuro. O silêncio, os obstáculos naturais e a deslocação que haviam sido motivos de abandono, serão os próprios motivos da preservação de um ambiente naturalmente adequado à sêde de meditação e de estudo” (ATHAÍDE, Tristão de. “Saudação a Ouro Prêto”. In: A voz do GLTA, ano I, n. 7, págs. 1 e 5out/nov. 1965).


Athaíde mais uma vez profetizava, porque durante poucos anos depois, a então recém-criada Universidade Federal de Ouro Preto (que teve a participação dos estudantes para a concretização de sua criação) realizava sua expansão e promovia uma reforma gigante nos imóveis das repúblicas.
O registro de uma viagem sentimental de uma das nossas principais escritores a Ouro Preto, nos anos 1940, também não deixou esquecidos os estudantes da cidade, que até hoje não passam desapercebidos por qualquer turista:

“E no meio das pedras mortas e das casas vazias, vereis por tôda parte os estudantes de Ouro Prêto subindo e descendo as ladeiras, enchendo os cafés, tão anacrônicos e ao mesmo tempo tão bem situados naquela cidade que é sua, quanto a passarinhada da serra que faz algazarra nos beirais das velhas igrejas; ouvireis suas serenatas e seus discursos filosóficos, e depois no ar frio da serra a lua subir, iluminando as tôrres redondas de São Francisco, o Alto da Fôrca e o Morro da Queimada, e sentireis que o mundo não são apenas aquelas loucas cidades onde vivemos, não é só competição, dinheiro ou política, mas também êste silêncio, esta beleza, esta paz” (QUEIROZ, Rachel de. OURO PRETO. In: O Cruzeiro, 01/05/1948, p. 90).


Os dados apresentados acima integra um pouco do que foi pesquisado e ainda merece maiores aprofundamentos pelos novos pesquisadores, porque nosso principal objetivo nas pesquisas foi relacionar o movimento estudantil e a conquista das repúblicas.
Um apelo que deve ser feito no momento é que as fontes de pesquisas precisam estar disponíveis para novas pesquisas. É um esforço não só dos mantenedores de arquivos particulares por razões sentimentais, mas dos pesquisadores e das instituições. Só assim diminuiremos as enormes distorções quando falamos em divulgação da história das repúblicas de Ouro Preto.

quinta-feira, 18 de março de 2010

UFOP elabora projeto para construir 300 moradias estudantis

UFOP elabora projeto para construir 300 moradias estudantis

FONTE:
http://www.jornaltribunalivre.com.br/noticias_ouro_preto/mar_2010/13_03_2010_prefeito%20da%20ufop.htm
13/03/2010

UFOP elabora projeto para construir 300 moradias estudantis
Diferente das tradicionais Republicas, as moradias, prometidas por Lula e Aécio Neves, poderão ser apartamentos com capacidade para quatro pessoas. O terreno será cedido pela Novellis.
(Antônio de Pádua Rodrigues)
Como adequar as estruturas da cidade diante do propalado crescimento da Universidade Federal de Ouro Preto, ocasionado pelas inovações anunciadas pelo REUNI (Programa do Governo Federal que trata da Reestruturação das Universidade Federais)?
Esta indagação foi sempre, a tônica das diversas audiências públicas realizadas na Câmara Municipal e também dos inúmeros encontros, entre o reitor da UFOP, João Luiz Martins, o prefeito Ângelo Oswaldo de Araújo e também por inúmeros seguimentos da sociedade organizada.
No ano passado, durante as solenidades do Plano de Conservação das Cidades Históricas (PAC), representantes do Diretório Central dos Estudantes (DCE- UFOP), se encontraram com o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva e com o governador Aécio Neves. Durante as conversas, os dois líderes se comprometeram a patrocinar um programa de moradias para os estudantes da UFOP .
Para se ter uma idéia do significado do crescimento da Universidade, com a implantação dos novos cursos, entre os campus de Ouro Preto e de Mariana, atualmente, circulam cerca seis mil alunos. Até 2.012, serão perto de 12 mil.
Estima-se que cada estudante das 58 repúblicas federais e das quase 300 particulares, gastem com a suas despesas de manutenção, cerca de R$ 300 a R$ 400.
Outro fato significativo que reflete a importância da expansão da UFOP para a economia da cidade, se refere a formatura dos cursos de Engenharia. Os formandos contrataram uma empresa especializa em montagem de galpões, para grandes eventos.
Estima-se que o acontecimento reuniu no Campus Universitário, cerca de quatro a cinco mil pessoas. A montagem do "Palácio de Cristal", beneficiou também, aos 300 formandos do Instituto Federal de Educação de Minas Gerais (IFMG), antigo CEFET, para a realização do baile gala.
O fato sinaliza que, em Ouro Preto, além do turismo e da mineração-, a exemplo de Viçosa, a educação será um dos principais pólos de desenvolvimento econômico da cidade.
Em entrevista à TRIBUNA LIVRE, o engenheiro ouropretano, Eduardo Evangelista Ferreira, popularmente conhecido como Du, prefeito do Campus Universitário, fala sobre as ações do órgão, que na administração da UFOP, equivale em âmbito municipal, à Secretaria de Obras.
Segundo Du, o reitor João Luiz, o prefeito Ângelo Oswaldo e representantes do Governo Estadual, já se reuniram para tratar entre outras questões, da escolha de um local para construir as futuras moradias estudantis. A área em cogitação é propriedade da antiga Novellis, que manifestou receptividade em ceder o terreno. Serão 300 moradias, provavelmente seguindo o mesmo estilo arquitetônico dos dois blocos que estão sendo, atualmente construídos pela UFOP, no Campus Universitário, no valor de cerca de R$ 1, 2 milhão,.e que deverão abrigar 48 estudantes. O formato das construções é diferente das tradicionais repúblicas.
Os módulos analisados pela Comissão de Moradia da UFOP serão apartamentos com capacidade para abrigar quatro estudantes. De acordo com estimativas do prefeito do Campus Universitário, em 2010, toda a parte técnica do projeto estará definida.
UFOP investe R$ 20 milhões na construção civil
Uma planilha de obras iniciadas em 2009, oscilando em torno de R$ 20 milhões, atesta que a Prefeitura do Campus Universitário é uma das grandes impulsionadoras da construção civil na região, empregando cerca de 600 operários. O seu quadro de funcionários é formado por cerca de cem pessoas, distribuídas nos campus de Ouro Preto, Mariana e de João Monlevade.
No Campus do bairro Bauxita o grande empreendimento é novo restaurante universitário; uma obra avaliada em R$ 2 milhões, com capacidade para servir quatro mil refeições por turno. .
O Posto de Saúde do SUS, que funciona no campus da UFOP, é considerado um dos melhores e mais bem equipados, também está sendo ampliado. A exemplo dos demais postos de saúde municipais, as novas instalações, serão utilizadas como pontos de apoio para os estudantes do Curso de Medicina da UFOP, que tem o seu currículo voltado para o Programa de Saúde da Família (PSF).
. O Plano Diretor do campus inclui a construção de uma moderna estação de tratamento para os esgotos que são lançados no Rio Funil. A estação será utilizada didáticamente pelos estudantes dos cursos de graduação em Engenharia Civil, Ambiental, Arquitetura e Recursos Hídricos, dentre outros.
Entre as diversas obras coordenadas pela Prefeitura Universitária alinham-se a segunda fase do prédio da Escola de Farmácia; a ampliação do prédio da Escola de Minas e a reforma de vários prédios do campus da UFOP, em Mariana.
Nos próximos dias será realizada a pintura interna e externa do prédio onde funciona o Centro Acadêmico da Escola de Minas na praça Tiradentes. No ano passado os seus eventos foram suspensos pelo Ministério Público. Devido ás dificuldades financeiras o CAEM, que é o proprietário do imóvel, não teve recursos para cuidar do imóvel que tem grande valor arquitetônico e mereceu atenção da UFOP para sua conservação.
Sem o Carnaval, gastos podem aumentar
Indagado se a iniciativa do Ministério Público, que proibiu os moradores das 58 repúblicas federais, de durante o Carnaval, utilizar os imóveis para promover atividades que gerem lucros, poderia obrigar a UFOP a investir mais recursos na manutenção das casas, o prefeito da do Campus Universitário, demonstrou preocupação: "A conservação e manutenção dos 58 prédios são de responsabilidade da Prefeitura Universitária, mas graças a organização das Repúblicas. Os próprios estudantes cuidam da preservação dos imóveis com recurso oriundos dos eventos por eles organizados".
- As festividades do carnaval atraem um público específico, que seguramente não prejudica o movimento das pousadas e dos hotéis. A organização dos estudantes mudou a cara do Carnaval de Ouro Preto, hoje considerado um dos melhores de Minas. "O processo de profissionalização dos blocos nos últimos anos, contribui em muito, para o crescimento dos próprios alunos, pois estes mostraram uma grande capacidade empreendedora. É evidente ser necessário compatibilizar o carnaval com a fragilidade do centro histórico. E a melhor forma é o diálogo.
- Por quê não pensar em repartir a renda do Carnaval?
- Sinto que existe muita disponibilidade de diálogo por parte dos estudantes. Os prédios são públicos e os possíveis recursos originários desta promoção, poderiam ser utilizados na causa pública. "É uma discussão aberta e da qual, todos devem participar, inclusive a população ouropretana que teve uma fonte de renda suprimida neste carnaval de 2010", diz o prefeito Du.

segunda-feira, 15 de março de 2010

CONCLUSÃO DO INQUÉRITO DE 1964: POR QUAIS MOTIVOS OS ESTUDANTES DE OURO PRETO SE REVOLTAM?

CONCLUSÃO DO INQUÉRITO DE 1964: POR QUAIS MOTIVOS OS ESTUDANTES DE OURO PRETO SE REVOLTAM?

“Ao procedermos as presentes investigações no meio dos estudantes de Ouro Preto, verificamos que as condições de vida miserável que levam os estudantes da antiga Capital de Minas, suas dificuldades de aquisição de livros, carissimos, levam-nos muitas vezes a adquirir livros de procedencia russa, fornecidos a preços irrisórios. O desconforto numa cidade em que o preço das utilidades andam á beira da morte, de tão caros, podem levar áqueles estudantes a um estado de revolta, que os fazem esquecer de Deus e guiarem-se ao materialismo pagão”
(Relatório de crimes contra a segurança nacional- Ouro Preto, 1964).

PERSEGUIÇÃO AOS ESTUDANTES E AS REPÚBLICAS EM 1964: PRIMEIROS MOMENTOS DO GOLPE CIVIL-MILITAR DE 1964

PERSEGUIÇÃO AOS ESTUDANTES E AS REPÚBLICAS EM 1964: PRIMEIROS MOMENTOS DO GOLPE CIVIL-MILITAR DE 1964

LIVROS JUVENTUDE E MOVIMENTO ESTUDANTIL: ONTEM E HOJE (2008) E REPÚBLICAS ESTUDANTIS DE OURO PRETO: TRAJETÓRIS E IMPORTÂNCIA (2010)

O “Relatório de Crimes Contra a Segurança Nacional” de Ouro Preto – elaborado e concluído meses depois do golpe – é um documento fundamental para compreendermos a situação da época. Coordenado pelo delegado da cidade, Sebastião Lucas, a apuração de crimes contra a segurança nacional indiciou políticos, estudantes, professores, metalúrgicos e comerciários.
Dos indiciados, destacamos os seguintes:
1) Políticos: Benedito Gonçalves Xavier, Antônio Cardoso Roriz, Sebastião Francisco (Maria Preta), Julio Armando Fuertes, Kirki Geronimo e Aderilho Fernandes (todos vereadores);
2) Professores: Oswaldo Magalhães Dias e Antonio Pimenta;
3) Estudantes: Nuri Andraus Gassani, Antônio Carlos Moraes Sarmento, Eduardo Teles de Barros (Amazonas), Ney de Almeida, Wagner Geraldo da Silva, Márcio Antônio Pereira, Rômulo Freire Pessoa, José de Paula Vasconcelos, Frank Ulrich Helmuth Falkenhein, Osamu Takanohasi, Haroldo Pereira da Silva, Jacques Herskovic, Nelson Maculan Filho, Sergio Antonio Pretti Maculan e Ivan Antônio de Tássis

Das testemunhas que prestaram depoimentos acusatórios contra os indiciados circularam as seguintes categorias:
1) Comerciantes: 02
2) Professores: 01
3) Engenheiros: 01
4) Estudantes: 04
5) Ferroviários: 01

Nos relatórios selecionamos alguns trechos dos depoimentos das “testemunhas” (considerados “dedo-duros”) acerca de algumas lideranças estudantis presas e indiciadas entre abril e junho de 1964:

a) “[...] é elemento que sempre declarou ser comunista, constando em comentários, sem nenhuma prova, que teria ele um transmissor e que em certa epoca alguem da cidade teria ouvido o mesmo ([...], pelo rádio falando em linguagem que tinha a aparencia de algum codigo que não chegara a ser decifrado” (Relatório de Crimes Contra a Segurança Nacional).
b) “O depoente auxiliou varias prisões, como voluntário (...) que [...] era doutrinador comunista, constando mesmo que tinha contactos diretos com o Kremlim, em Moscou, de onde recebia instruções” (idem).

UFOP: UMA DAS MELHORES UNIVERSIDADES DO BRASIL

UFOP: UMA DAS MELHORES UNIVERSIDADES DO BRASIL

RANKING - COM AS 20 MELHORES UNIVERSIDADES BRASILEIRAS



FONTE: Índice Geral de Cursos. Brasília, MEC, 2010



1ª - Un. Federal de São Paulo

2ª - Un. Federal do Rio Grande do Sul

3ª - Un. Federal de Minas Gerais

4 ª - Un. Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre

6ª - Un. Federal de São Carlos

7ª - Un. Federal de Viçosa

8ª - Un. Federal do Triangulo Mineiro

9ª - Un. Federal do Rio de Janeiro

10ª - Un. de Brasília

11ª - Un. Federal de Itajubá

12ª – PUC-RJ

13ª – PUC-SP

14ª - UNESP

15ª - Un. Estadual Darcy Ribeiro

16ª - Un. Federal de Santa Catarina

17ª - Un. Federal de Alfenas

18ª - Un. Federal de Pernambuco

19ª – Un. Estadual de Maringá

20ª – Un. Federal de Ouro Preto

O CASO ABAIXO FOI CITADO NO LIVRO-DOCUMENTÁRIO DE JÔ SOARES

O CASO ABAIXO FOI CITADO NO LIVRO-DOCUMENTÁRIO DE JÔ SOARES

FONTE: SOARES, Jô. O homem que matou Getúlio Vargas: biografia de um anarquista. São Paulo, Cia. das Letras, 1998.


No livro de Jô Soares, em seu prólogo, contextualiza o período vivido pelo jovem Getúlio Vargas, que posteriormente seria Presidente da República por um longo período. Um registro maior deste episódio no final do século XIX merece nossa atencao porque, mesmo que o jovem Getúlio foi praticamente expulso da cidade por causa do envolvimento dos seus irmãos em um crime, enquanto Presidente nunca perseguiu ou teve qualquer desatencao com a cidade de Ouro Preto. Como ex-morador da antiga República Bastilha, mesmo que sua trajetória fosse curta, o amor pela cidade falou mais alto.

“A rivalidade entre os moradores das várias repúblicas provoca, como de praxe, atritos e discussões. São comuns as refregas de estudantes no Bilhar Helena, na Rua São José, um dos pontos preferidos pelos rapazes que estudam na cidade” (SOARES, 1998, p. 13).

O primeiro e um dos grandes casos de manipulação política na questão estudantil

UM DOS GRANDES CASOS DE MANIPULAÇÃO POLÍTICA NA QUESTÃO ESTUDANTIL

FONTE: Lima Junior, Augusto de. “Serões e Vigílias. (Páginas Avulsas). Rio de Janeiro: Livros de Portugal, 1952.


p. 33

No dia 16 de maio de 1896, no interior do Café e Bilhares High-Life, à rua São José, Viriato Vargas e alguns companheiros, tiveram uma altercação com outro estudante, Carlos Prado, aluno da Faculdade de Direito, indo Viriato e Carlos Prado até um começo de luta corporal, logo apartada pelos demais companheiros de ambos os contendores. Dias depois, encontrava-se Viriato Vargas à porta do mesmo Café, quando Carlos Prado passou junto dêle –, lançando olhares provocadores e assobiando. Viriato encarando-o disse: – Quem assobia é moleque!... Carlos Prado voltando-se inopinadamente sacou de dentro do paletó um “stick”, de fios de aço trançados com uma bola do mesmo metal na ponta e com êle acometeu Viriato, ferindo-o na cabeça com enorme e funda contusão, caindo Viriato por terra desacordado. Acorreram Salomão de Vasconcelos, Francisco Nunes e Mendes de Oliveira que impediram que Carlos Prado continuasse a espancar...

p. 34

...Viriato já por terra, e transportaram o ferido para a farmácia Otávio de Brito onde foi medicado. Ouro Preto, logar pequeno, tomou rapidamente conhecimento do dissídio entre os estudantes, formando-se partidos pró e contra cada um dos grupos de contendores.
A política misturou-se ao caso e o ambiente de irritabilidade recíproca agravou-se pela intrigalhada. Muito jovem ainda, os participantes dêsse episódio, não tinham êles a experiência necessária para se furtarem às influências maléficas dos que por detrás das cortinas, escorados por posições sociais ou políticas, tem por hábito servirem-se dos desavisados moços para exercerem as suas covardes vinganças.
Foi nessa atmosfera de cochicos e frases irônicas, nos cafés e meios estudantis, que se agravou a tensão entre os moços citados.

Alguns dias depois do incidente ocorrido no Café High Life da rua São José, verificou-se a explosão dos ressentimentos acumulados e seguidamente super-excitados pelos eternos pescadores de águas turvas... A´ seis horas da tarde do dia seis de junho, de 1896, nas proximidades da Farmacia Catão, próximo da ladeira que vai até a Capela de São José, defrontaram-se os dois grupos de estudantes que andavam em dissídio. Caminhando em direção do Rosário, pela calçada do lado direito, ia Carlos Prado com alguns companheiros, quando pelo mesmo lado, em sentido contrário, se-...

p. 35

... -guiam Viriato Vargas, Fernando Kauffman e Balthazar Patricio do Bem. Cerca de dez passos mais para trás, iam Protasio Vargas, irmão de Viriato, e outros amigos, entre os quais, o de nome Francisco Schmidt.
Moravam os riograndenses no bairro no bairro da Água Limpa, no lugar denominado Campo do Raimundo e era êsse o seu caminho habitual para o centro da cidade. Viriato que se considerava gravemente insultado por Carlos Prado, dias antes, na cena do Café High Life, encarou seu adversário com ar ameaçador, tendo o jovem paulista recuado dois passos fazendo menção que iria sacar uma arma. Ao mesmo tempo teria repetido uma expressão injuriósa com que já referira o outro no incidente do Café. Sem que houvesse tempo para qualquer intervenção de terceiros, trocaram-se tiros, entre os do grupo de Viriato e do seu antagonista, que caiu por terra ferido de morte. Evadiram-se, “in continenti”, os do grupo de Viriato sendo o infortunado Carlos Prado socorrido inutilmente na Farmacia Catão, morrendo pouco depois. Viriato fugindo, conseguiu chegar até a Farmacia de Otavio de Brito onde se medicou de um ferimento por bala e esteve oculto por mais dois mêses, até conseguir evadir-se de Ouro Preto. o fato causou sensação pública como é natural. Organisaram-se bandos armados para caçar e liquidar os estudantes riograndenses, considerados todos responsáveis pelo ato de alguns de seus co-provincianos. Êstes, acuados pelas tremendas....

p. 36

...ameacas, ocultaram-se uns, conseguindo outros sair de Ouro Preto aproveitando-se da noite, indo tomar o trem em distantes estações, da Central.
Protasio Vargas, foi preso no dia seguinte pela manhã, quando tentava embarcar na estação de Tripui, vizinha de Ouro Preto. Foi reconhecido, segundo me informa Salomão de Vasconcelos, pelas iniciais P.V. que tinha bordadas no peito de camisa. Passou êle a ser figura central da mais desvairada campanha de ódios que se armou contra um jovem que toda a cidade sabia estar inocente nos sucessos, mas que se tornara um joquete de fôrças tenebrosas.
Todos em Ouro Preto conheciam os esforços de Protasio para acalmar os dissídios em que se empenhavam seu irmão Viriato e Carlos Prado. O Govêrno do Estado, envolvido nas paixões desencadeadas tomou posição ostensiva no caso. Aos funerais do inditoso estudante, compareceram o Presidente do Estado, os Secretários, inclusive o Chefe de Polícia, todos se rezevando nas alças do caixão. A congregação da Faculdade de Direito, esteve presente, incorporada. Houve, porém, um professor, o de Filosofia do Direito, que não compareceu. Êsse professor chamava-se Antonio Augusto de Lima, era o Juiz de Direito da Comarca com jurisdição no Cível e no Crime. Essa ausência justificada pela mais elementar noção de decôro de um magistrado, passou a servir de pretexto a agitações insufladas nos meios acadêmicos da Faculdade de Di-...

p. 37
... –reito por alguns despeitados por conta de terceiros mais graduados...
O Juiz de Direito de Ouro Preto era um homem incontrolável por poderosos ou por quaisquer interêsses imediatos ou remotos. Mestre na Faculdade de Direito, suas lições eram consideradas luminosas por quanto as ouviam ou liam nos folhetos onde apareciam taquigrafados pelo jovem Salomão de Vasconcelos, hoje nosso grande historiador.
“Petit pays, petit esprit”, dizem os franceses. O “petit esprit”, fêz nascer a inveja, a inveja o ódio e o ódio a calúnia. Foi desfechada então uma campanha subterrânea contra o Juiz de Direito que se excusara de comparecer ao entêrro da vítima de um crime que êle teria de julgar. Segundo a intriga circulante, a ausencia de meu pai aos funerais de Carlos Prado, era uma prova pública de solidariedade aos acusados, por serem êles riograndenses e meu pai ter sido colega e companheiro de casa de Julio de Castilhos em São Paulo. Ninguém se espante com uma tolice dessas. Mas era necessário desgostar o Juiz de Direito para obrigá-lo a afastar-se do cargo afim de que mãos menos rijas servissem aos designios de vingança das paixões excitadas.
Enquanto prosseguia o inquérito, faziam as autoridades, sob a vigilância severa do Govêrno, todos os esforços para envolver nas malhas do processo o maior número de estudantes riograndenses em Ouro Preto.

p.38

Os autos dêsse processo estão intactos no Cartório do antigo escrivão Agostinho dos Santos, e constituem documentos dos mais valiosos para o estudo da formação brasileira. Com todos êsses, não puderam ser atingidos êsses objetivos. A prova foi reduzindo o número de acusados e, afinal a formação da culpa presidida pelo Juiz Municipal Dr. Alfredo Guimarães, tirou as últimas esperanças dos que pretendiam servir-se de um doloroso drama para intuitos políticos nacionais... O único indigitado preso era agora Protasio Vargas. Contra êle se concentravam as forças da vindicta superintendida agora pelo próprio Presidente do Estado, talvêz iludido na sua boa fé.
Nenhuma prova foi colhida na formação da culpa sobre a participação de Protazio Vargas no conflito. Mas como os outros supostos responsáveis haviam fugido e Protasio era o único preso, contra êle se concentraram as atenções daquêles homens que se arvoravam em anjos vingadores da morte de Carlos Prado.
Foram pronunciados pelo Juiz Alfredo Guimarães, os indigitados Viriato Vargas, Balthazar Patrício do Bem, Fernando Kauffman, Protasio Vargas, e Francisco Schmidt, e impronunciados dois ou três obscuros e vagamente referidos no processo. O refem Protazio Vargas, único recolhido à Cadeia Pública de Ouro Preto, sofria na prisão os vexames mais atrozes. Seu correspondente, um negociante do bairro de Antonio Dias, pro-...


p.39

... –videnciara abrigos contra o frio e alimentos que deveriam se fornecidos pelo Hotel Martinelli.
Pois, por pressão de alguns estudantes, o carcereiro por vários dias reteve o colchão e cobertores, fazendo o preso sofrer rigores do inverno ouro pretano. Quanto às refeições enviadas pelo hotel, às dez horas da manhã, sòmente eram entregues ao preso às duas horas da tarde, remexidas ou poluidas. Levada a reclamação ao Juiz de Direito que era meu pai, e sob cuja jurisdição já se encontrava o preso, teve êle que tomar severas providências junto ao Chefe de Polícia.
As cópias dêsses ofícios reclamando contra os vexames ilegais inflingidos ao acusado preso Protasio Vargas, revelam por parte do magistrado, um alto grau de coragem e consciência do cumprimento do dever. Quando em gráu de recurso foram os autos conclusos ao Juiz de Direito, recrudesceram os esforços vingativos para que sob a mais tremenda das pressões, fôsse “in totum”, confirmada a pronúncia dos implicados.
Gastão da Cunha, foi encarregado da missão de fazer sentir ao Juiz de Direito, que o Govêrno do Estado, no intuito de desagravar os melindres de Minas, que diziam feridos no episódio, fazia questão fechada de que se desse aos riograndenses uma “lição em regra”, processando-os a todos. A resposta de meu pai a Gastão da Cunha foi que, como magistrado, não transigia no cumprimento dos seus deveres e que sòmente de-...


p. 40

...-cidiria de acôrdo com a prova dos autos. Que não poderia tomar conhecimento de qualquer insinuação, partissse de quem partisse, fôssem quais fôssem as conseqüências. Gastão da Cunha que tinha relações de intimidade com meu pai, ouviu-lhe silenciosamente a resposta dada e justificada com certa veemência. Ao despedir-se disse ao seu amigo Juiz de Direito de Ouro Preto: – “Antonio Augusto! Você tem tôda a razão. Êsses sujeitos (os do govêrno) são uns canalhas, mas eu preciso dêles...”. E saiu.
Nêsse momento chegou a Ouro Preto o General Manuel Vargas, pai de dois dos indiciados, que ali fôra ter afim de cuidar da defesa dos seus filhos..
Êsse homem depois de visitar seu filho preso na Cadeia de Ouro Preto, com a alma dolorida ainda pelo emocionante encontro, foi à nossa Casa do Rosario visitar meu pai e agradecer-lhe as providências que haviam sido tomadas para a salvaguarda da vida do seu filho. O General Manuel Vargas, portou-se como um perfeito cavalheiro. Disse a meu pai que fôra a Ouro Preto tratar da defesa dos seus filhos, e que regressava ao Rio Grande confiado em que, fora das sanções legais em que acaso incorresse, sentia-se seguro de que nenhum mal lhes seria feito. Com tôda a dignidade não pronunciou uma só palavra que importasse em pedido de favor a seus filhos, por parte do magistrado que o recebia. Nenhuma palavra mais trocaram em Ouro Preto o General...


p. 41

... Manuel Vargas e o Juiz de Direito Augusto de Lima.
Pois logo à saída do General Manuel Vargas de nossa Casa do Rosário, alguem tratou de espalhar pela cidade a notícia de que êsse angustiado pai levara ao Juiz de Direito uma ordem de Julio de Castilhos para despronunciar os rio-grandenses...
Dias depois de receber os autos do processo, o Juiz Antonio Augusto de Lima, contra a vontade do Gôverno do Estado, de alguns estudantes e demais interessados, publicou sua sentença. Nêsse despacho, despronunciava Protazio Vargas, o único acusado preso, e confirmava, no mais, a decisão do Juiz Municipal Dr. Alfredo Guimarães.
Êsse ato do Juiz de Direito, fêz explodir a exaltação dos coléricos anjos vingadores. Alguns estudantes, tentaram, aliás sem êxito, um movimento de protesto coletivo contra o professor Carlos Prado e ainda por cima, despronunciava contra a vontade dêles estudantes um dos acusados por êles... Ficou combinado que na primeira aula a que comparecesse o professor Augusto de Lima, ao subir êle à Cátedra todos os alunos se retirassem da sala e o aguardassem à saída da Faculdade, dando-lhe uma estrepitosa vaia.
Convidaram os estudantes de outras escolas e preparavam-se para o grande dia. No dia aprazado foi meu pai, como de costume, dar a sua aula. Nêsse dia o recinto estava à cunha, aguar-...


p. 42

...-dando os promotores a hora da desfeita ao mestre. Falhou tudo... Meu pai avisado da ocorrência por estudantes seus amigos, sabendo embora do que se tramava, subiu tranquilamente á Cátedra. Começou dizendo que sabia que lhe estava preparada uma ruidosa e violenta manifestação do desagrado, mas que antes dela, devia como mestre de futuros magistrados, dar-lhes uma lição que lhes seria útil, de como deveria em quaisquer situações, um Juiz cumprir o seu dever. Explicou os fundamentos da sentença e analisou os acontecimentos com serenidade e elevação. Discorreu sob um silencio absoluto, prendendo a atenção de quantos o ouviam. Os promotores do agravo foram se esgueirando pela porta, à medida que o mestre intrepidamente verberava aquêles ódios indignos do coração da mocidade. Mal concluia as últimas palavras, uma estrepitosa salva de palmas saudou o malsinado Juiz-Professor. Fracassara o desacato que se convertera em apoteose á vítima da sanha manobrada por mãos ocultas. O Juiz de Direito agiu como devia. Procedeu como qualquer homem reto diante da límpida prova dos autos. Êsse processo famoso, desde que o Sr. Getulio Vargas assumiu o poder no Brasil tem sido consultado com freqüência por interessados em encontrar nêle material adequado a retaliações políticas. Mas os que consultam encontram justificada a despronúncia de Protazio Vargas, título de glória para a memória de meu pai, que soube ser um magis-...


p. 43

...-trado digno nêsse transe terrível.......
Foram despronunciados, em gráu de recurso, Protazio Vargas, Francisco Faria e um outro. Fernando Kauffman apresentou-se, foi submetido a Juri, um ano depois, sendo absolvido. Nêste processo depuseram sete testemunhas no inquérito, à revelia dos reus, na formação da culpa presente o reu Protazio que fôra preso. Nunca ficou apurado convenientemente qual o tiro que abatera Carlos Prado. Se fôra de Viriato Vargas, Balthazar do Bem ou de Fernando Kauffman. Protazio Vargas, conforme ficou plenamente provado pelo depoimento das testemunhas, a que assistiu o promotor, procurou por todos os meios ao seu alcance evitar que o seu irmão tomasse parte no desfôrço a que o incitavam outros amigos. Sua presença no local do conflito, alias vagamente aludida pelas testemunhas, não tinha relação com o...

p. 44

... que depois se passou e não era, no conceito das testemunhas, senão um meio de evitar que seu irmão agisse precipitadamente.
Vejamos as testemunhas do processo. A 1ª testemunha, a fls. 99, julga que Protásio estivesse no grupo “não tendo, entretanto, o reconhecido por tê-lo visto repentinamente e confundindo-o como Faria. Havia 4 pessoas no grupo, das quais afirma que três estavam armadas, Viriato, Kauffman e Balthazar do Bem. Não pode afirmar a coparticipação de Protásio”. Poderia algum Juiz basear pronúncia nêste depoimento? A 2ª testemunha a fls. 112, “não pode afirmar se Protazio atirou, embora o julgue solidario com seu irmão Viriato, mas não pode afirmar que Protazio era solidário com Viriato para matar Carlos Prado. Não viu Protazio proferir palavra nem fazer gesto que animasse o crime”.
A 3ª testemunha a fls. 123, “não ouviu dizer que Protazio agredisse de qualquer modo a Carlos Prado”.
A 4ª testemunha a fls. 132, “tem certeza de haverem atirado Balthazar, Viriato e Kauffman; não viu Protazio no conflito”.
A 5ª testemunha ouviu dizer que os criminosos são Viriato, Balthazar e Kauffman e que a princípio ouviu falar na participação de Protazio, mas depois não ouviu mais.
A 5ª testemunha a fls. 150, ouviu falar na participação de Protazio mas não tem certeza se isso é verdade”.

p.45
A 7ª testemunha a fls. 154, viu distintamente atirarem Balthazar do Bem, Kauffman e Viriato, e não viu fazê-lo Protasio. Não viu Protasio praticar qualquer ato de agressão ou animar os agressores a que o praticassem contra Prado.
Nenhum Juiz digno dêsse nome seria capaz de manter a pronúncia de um indiciado contra o qual não existia o menor resquício de prova na participação de um delito. Sem dúvida que foi necessária uma grande energia moral por parte do Juiz Augusto de Lima para cumprir a Lei exculpando o inocente.
O tempo passa, as paixões amainam e os documentos escritos ficam para a análise da posteridade. E dêles surgem as sentenças que honram a cultura de um povo e incitam os homens a elevar-se no cumprimento da sua missão e de se colocarem AO LADO DO DEVER E AO LADO DA JUSTIÇA, custe o que custar!


sexta-feira, 12 de março de 2010

CENTENÁRIO DE NASCIMENTO DO LENDÁRIO “JOÃO PÉ DE RODO” -

CENTENÁRIO DE NASCIMENTO DO LENDÁRIO “JOÃO PÉ DE RODO” -

FONTE: http://www.jornaltribunalivre.com.br/noticias_ouro_preto/mar_2010/08_03_2010_centenario_joao_pe_rodo.htm

Há exatos 100 anos (08/03/1910), nascia no pequeno distrito de Santo Antonio do Salto na fria e intocável Ouro Preto, aquele que se tornaria umas das figuras mais marcantes da história folclórica ouropretana.

Nascia João da Motta, mas logo se tornaria “João Pé de Rodo”. Figura humilde e carismática que conquistaria a todos pelo seu jeito singular e característico de tratar as pessoas.

“João Pé de Rodo” era filho do Sr. Manoel Luis da Mota e da Sra. Josina Ferreira Guimarães, tendo ainda mais cinco irmãos.

Logo recebeu o apelido “Pé de Rodo” graças ao tamanho desproporcional de seus pés em relação à sua altura. O que o fazia andar “arrastando” os pés.

Por muitos anos, “João Pé de Rodo” residiu na estimada República BUTANTAN, localizada na Praia do Circo ao lado da Prefeitura e lá viveu até o ano de 1986 quando mais uma estrela veio a brilhar no céu de Ouro Preto.

E por todo este período recebeu a atenção e os cuidados dos estudantes que lá residiam. Recordemos também o auxilio do Sr. Gentil de Souza, Dona Célia e Cônego Simões (desculpem a omissão de outros nomes)

Para nós (os estudantes), “João Pé de Rodo” era muito mais do que um companheiro, ele era acima de tudo nosso amigo, um filho, um pai, uma figura que apesar de sua ingenuidade demonstrava uma imensa e infinita sabedoria.

Que fique registrado a humildade e compaixão dos estudantes da Republica BUTANTAN com a figura do “João Pé de Rodo” naquela época e que sirva de exemplo para os nossos dias atuais, principalmente neste momento onde convívio entre estudantes e ouro-pretanos tem se tornado cada vez mais conflituoso

Levaríamos mais 100 anos para contar os causos e as histórias de “João Pé de Rodo”, suas noivas imaginárias, suas patentes militares, mas enfim, fica aqui a nossa homenagem e lembrança pelo centenário de nascimento de “Joãozinho” e que as futuras gerações e os mais novos não deixem cair no esquecimento os seus ensinamentos, suas respostas malcriadas e inocentes e frases ditas por ele, que traduziam o sentido simples de sua existência.

E que para sempre possa ecoar nas ladeiras de Ouro Preto, os seus passos lentos e rastejantes...

Estudantes da REPÚBLICA BUTANTAN

Fotos: Acervo República Butantan

quarta-feira, 10 de março de 2010

artigo: EDUCAÇÃO, REPÚBLICAS ESTUDANTIS DE OURO PRETO E COMPROMISSO SOCIAL (Otávio Luiz Machado)

EDUCAÇÃO, REPÚBLICAS ESTUDANTIS DE OURO PRETO E COMPROMISSO SOCIAL
Otávio Luiz Machado*


Educação Superior, Repúblicas Estudantis de Ouro Preto e Compromisso Social

Otávio Luiz Machado*

Quando participo de debates ou escrevo sobre as repúblicas de Ouro Preto, o que mais me orgulha inicialmente é o de estar na condição de ex-morador da maior república da UFOP, bem como o de ter a minha formação universitária e pós-universitária realizada integralmente em instituições públicas.

A oportunidade única que tive de estudar a história das repúblicas, do movimento estudantil, da juventude e da educação superior em Ouro Preto e no Brasil foi o meu maior privilégio e a minha grande satisfação, porque efetivamente pude enxergar ainda mais o que os estudantes (e a própria juventude) representaram e ainda representam para a construção de um País mais viável economicamente e socialmente mais justo.

Mas ao olhar para trás como ex-aluno, além de perceber o quanto muitos de nós fizemos para a UFOP, a cidade de Ouro Preto e o próprio País, também preciso reconhecer os nossos erros, omissões e frustrações durante a vida republicana.

Não me arrependo de ter ajudado a organizar a campanha Solidariedade Ufopiana por dois anos, de trabalhar no Projeto Grupo Folclórico, de me envolver com o Programa Raízes da Terra, de ter sido premiado nacionalmente juntamente com a nossa equipe pelo Programa Universidade Solidária, de ter organizado eventos para beneficiar a cidade de Ouro Preto, de contribuir para manter a república que escolhi morar ou de divulgar as maravilhas da cidade a partir do local que sempre valorizei (o imóvel público que passamos e deixamos as marcas do nosso trabalho por todos os lados).

Eu diria que o maior erro das gerações passadas (incluindo a minha) foi o de não preparar as repúblicas adequadamente para o enfrentamento da exacerbação de preconceitos e perseguições que sofreriam no futuro, porque enquanto buscávamos uma moradia adequada – numa sociedade extremamente precária – , o que não percebíamos ao nosso redor era o crescimento das incompreensões que esse sistema de moradia acumulava em mais de um século de existência.

A nossa maior omissão esteve na manutenção da informalidade das repúblicas com as diversas instâncias da UFOP, porque a experiência universitária que tivemos nos levava a certeza de que sempre estávamos no caminho certo ao realizar um árduo trabalho na defesa do interesse público, que as gerações atuais compreenderam e abraçaram como meta em defesa de uma universidade pública, gratuita, de qualidade e referenciada socialmente.

Mais a maior frustração foi a de não contribuir adequadamente para que o conjunto de grupos sociais que contracenamos no dia-a-dia percebesse o seguinte: a autonomia universitária como a grande questão não enfrentada em profundidade pelas frustradas tentativas de reformas da universidade ao longo de décadas. O que fizemos foi insuficiente!

O que mais os escribas contrários às repúblicas tratam é do fim da autonomia das repúblicas. Mas se esquecem de tratar com o mesmo refinamento e dedicação a importância da autonomia das universidades, pois para eles é uma questão que precisa ser tratada apenas para trazer argumentos aos seus posicionamentos instrumentalizados.

Qual o motivo do silêncio, da pouca atenção ou da distorção do tema da autonomia da universidade? Como geralmente é um assunto que inevitavelmente será tratado diretamente com o Ministro da Educação, com os nomes fortes da burocracia universitária, com alguns sindicatos ou com os inúmeros lobbies das universidades privadas, aí eles se calam. Falar da juventude seguindo o rastro de intolerâncias abertos e amplamente pautados por alguns setores da imprensa é menos cansativo e chama mais atenção.

Pergunto: o que faziam os nossos escribas quando vários estudantes eram massacrados por defender uma reforma universitária aprofundada? De qual lado estariam se de fato estivessem interessados no aprimoramento da educação superior do nosso País? Qual o motivo de não se posicionarem na defesa do debate sobre a autonomia universitária a todo custo no Brasil?

É o caso de perguntar por quais razões os nossos “defensores” da democracia e da cidadania sumiram quando amplos setores da sociedade defendiam a abertura dos arquivos públicos, o direito à memória e à verdade. Ou ficaram calados quando o País busca criar mecanismos de aperfeiçoamento da Universidade ou defendem o ensino público.

Os mesmos argumentos contrários à efetivação da autonomia universitária como princípio básico no debate sobre a necessidade de transformações urgentes na educação superior acabam sendo utilizados para os que falam contra a corrupção no mundo político, mas se “esquecem” de colocar em primeiro plano a urgente necessidade de uma reforma política e jurídica. Os privilégios que indiretamente recebem tornam suas falas fáceis ou superficiais, pois mexer com as “estruturas” nunca interessaram aos que buscam aparecer de modo rápido e eficiente como cavaleiros do apocalipse.

É só olhar a biografia dos muitos que atacam gratuitamente as repúblicas federais. Daí saberemos os reais motivos para não destratarem dos verdadeiros interesses perversos e contrários ao ensino público brasileiro e se acovardarem diante de uma elite que quer as nossas universidades atuem apenas do ponto de vista mercadológico.

Se a sociedade brasileira evoluiu ao tratar as suas juventudes como cidadãos de direitos, com miopia de poucos é possível que a universidade perca o seu compromisso com as necessidades da realidade nacional.

Talvez a minha experiência como um pesquisador da história e da sociologia das juventudes brasileiras possa ser evidenciada aqui, porque apostamos na criatividade, no protagonismo e na maior abertura de espaços para que os jovens possam se expressarem e atuarem.

A juventude é um tema ainda pouco estudado no Brasil. Mesmo que os indicadores apontem para os jovens como os que possuem maior dificuldade de inserção social, os mais vitimizados pela violência urbana e a estejam cada vez mais sendo reconhecidos pela sua prática do consumo individualizado, o que não podemos também deixar de reconhecer são as condições de vida de crianças e jovens no nosso País em toda sua história.

A república estudantil de Ouro Preto é um dos pouquíssimos canais de expressão e de participação cívica de parcela dos jovens universitários, que pode ser reconhecido como um dos principais responsáveis pela relação da UFOP com a comunidade, pela constante manutenção dos imóveis do centro histórico e de outros bairros (que só não foram abaixo pelo trabalho árduo dos estudantes) e pela formação extracurricular de milhares de estudantes depois de formados atuaram ou atuam no que temos de melhor nos dias de hoje.

É assustador como a juventude do meu País (que resolveu estudar em Ouro Preto) é colocada numa situação inaceitável, principalmente dos que se utilizam da arrogância, do preconceito e da violência para mais uma vez colocar os estudantes como inimigos dos moradores de Ouro Preto.

Eles nunca foram inimigos da cidade. É só olhar quem estava e quem não estava do lado da população mais pobre da cidade em momentos de tragédia e de dificuldades. É só olhar quem estava e não estava defendendo um plano de preservação e de conservação do patrimônio histórico de Ouro Preto quando havia ameaças por parte de interesses pesados na sua destruição. É só olhar qual o nível de escolaridade e a faixa salarial dos que atuam e daqueles que não atuam em parceria com as repúblicas. Aí é possível ver quem se beneficia de fato das atividades propostas pelas repúblicas. Só aí perceberemos que as repúblicas não apresentam nenhuma ameaça, mas sim um elemento dinâmico e de interesse para a cidade de Ouro Preto (ontem e hoje).

É uma pena que mal iniciamos o século XXI e reapareceram discursos e ações próprios do período medieval. O massacre, o irracionalismo, o barbarismo, a intolerância, a agressão, o ódio e o preconceito apresentados por algumas pessoas só pode ser explicado pela presença de interesses pessoais ou familiares em jogo, sem falar na má fé dos muitos que atacam violentamente os estudantes e suas repúblicas simplesmente para ter publicidade em cima da própria UFOP.

Não podemos aceitar – num mundo em que muitos usam o nome de Deus para matar inocentes ou falam em nome da democracia para explorar as riquezas e a mão-de-obra de outros de outros países – que a violência seja estimulada sem a menor restrição.

Os estudantes estão conseguindo convencer no dia-a-dia que só o diálogo, o uso adequado do conhecimento acumulado pela humanidade e a prática efetiva de valores democráticos sejam capazes de solucionar qualquer questão do ponto de vista cultural, social e político.

Os atuais estudantes das repúblicas não estão seguindo o caminho errado. Dialogam abertamente com os moradores de Ouro Preto, com o Ministério Público, com a administração da UFOP, com os ex-moradores, com os demais estudantes da UFOP e com tantos outros que de uma hora para outra se tornaram interessados na questão.

Como escreveu o mestre: a boa reflexão é aquela que gera mudanças. E será longe do ódio, da intimidação, da intolerância e da violência que os estudantes refletirão sobre o seu futuro e honrarão a experiência acumulada bem sucedida que herdaram. ( A defesa dos estudantes e da própria instituição UFOP é tratada por mim mais muito mais como uma questão de Justiça. E não de Direito).

E como os rumos buscados para as nossas importantes repúblicas possuem como base os diversos documentos, orientações e falas que contribuem para pensarmos o futuro da humanidade, então podemos citar alguns apenas para esclarecer o assunto.

Não é segredo que a questão precisa ser tratada dentro do ponto de vista educacional, sem ódio e sem medo. É uma atitude covarde das pessoas que manipulam dados equivocados para agredir jovens estudantes que moram a um, dois, quatro ou cinco anos numa república, visando responsabilizá-los agora pelas incompreensões que esse sistema de moradia acumulou em mais de um século de existência.

Como não sabíamos que a pressão em cima das gerações que ainda podem reparar as nossas distorções seria tão implacável, então é preciso pensar que só os atuais moradores e os novos que ainda virão poderão dar sua maior contribuição. Uma chance aos jovens é urgente e necessária, pois diria a eles o seguinte:

“Não esperem nada do século 21, pois é o século 21 que espera tudo de vocês. É um século que não chega pronto da fábrica, mas sim pronto para ser forjado por vocês à nossa imagem e semelhança. Ele só será glorioso e nosso à medida que vocês sejam capazes de imaginá-lo” (Garcia Márquez, Paris, 1999).

A luta dos estudantes para a melhoria do ambiente educativo das repúblicas, a busca da manutenção dos prédios com a promoção de atividades que financiem uma parte dessas despesas e o envolvimento da sociedade naquilo que os próprios estudantes propõem como razoável encontram respaldo na própria Constituição Federal. O processo educativo não pode ocorrer sem a colaboração da própria sociedade, que também é responsável pela preparação das pessoas para o exercício da cidadania, do trabalho e do bem comum.

Na busca da melhoria das repúblicas, a tentativa de aperfeiçoamento constante das casas visando o estabelecimento de um compromisso com a formação profissional mais adequada aos moradores das repúblicas é um fato a registrar. E é um direito inscrito na Declaração Universal dos Direitos Humanos (de 1948): “Toda pessoa tem direito a uma educação de qualidade, que garanta o pleno desenvolvimento da personalidade humana” (Artigo 26).

Então não basta fornecer moradia gratuita aos estudantes, mas permitir que eles tenham acesso facilitado, permaneçam, aprendam, progridam e contribuam para que os próximos moradores possam crescer e contribuir para a sociedade, também. Para que isso ocorra, penso ser imprescindível que as repúblicas e a própria administração da Universidade trabalhem em conjunto, o que está sendo feito no momento.

Mas nem tudo pode ser tão animador quanto as falas de pesquisadores e dos documentos nacionais e internacionais produzimos na passagem do século (e de milênio).

Na “Conferência Mundial sobre Ensino Superior” da UNESCO, que foi realizada em Paris em 1998, foi tratada com destaque as expectativas de formação do universitário do século XXI. Eis algumas delas: de ser flexível e não se especializar demais; que invista na criatividade e não só no conhecimento; que aprenda a lidar com incertezas; que busca ter habilidades sociais e capacidade de expressão; que saiba trabalhar em grupo; que esteja pronto para assumir responsabilidades; que busque ser empreendedor e; que saiba de fato entender as diferenças culturais.

Foi um período fértil de idéias, como o documento “A educação: um tesouro está escondido em seu interior” (de 1996), que foi o resultado de um relatório da comissão internacional sobre a educação do século XXI.

Em palestra proferida na UFOP – após convite que fizemos em 1999 –, a Professora Barbara Freitag tratou das Perspectivas Educativas da UNESCO para o Século XXI. Numa exposição muito clara e marcada pela presença de diversos educadores de Ouro Preto, a nossa palestrante expôs as principais discussões que estavam ocorrendo no âmbito da educação pela UNESCO naquele momento, como o famoso relatório (de 1996), que naquele momento resumia os quatro pilares que deveriam reger a educação do futuro (conforme o resumo feito pela autora):

- Aprender a aprender: aprender coisas novas e aprender as mudanças que se processam no mundo (...) preservar o que é necessário, mas filtrar e aprender a desenvolver um mecanismo de aprender;

- Aprender a fazer: aprender a fazer coisas dentro das condições da sociedade moderna dada melhor ainda da sociedade do futuro;

- Aprender a viver com os outros: a aceitação do outro, que não entendemos, mas que precisamos compreender e aprender a respeitar em sua diferença;

- Aprender a ser: precisamos aprender a ser gente. Temos de aprender a viver nossa dignidade e a assegurar esta dignidade a todos os outros convivas.

O texto da conferência de Freitag foi publicado na Revista de História do Laboratório de Pesquisa Histórica da UFOP.

Nos mais diversos documentos da UNESCO também são contemplados o aprimoramento dos programas visando uma educação para toda a vida. Não só uma educação que nos ajude ao mesmo tempo a pensar a agir na resolução dos problemas da nossa sociedade, mas de uma educação não bancária e que vá além do simples acúmulo de conhecimento que possibilite a extração individual, mas que seja uma educação que nos permita adquirir habilidades para contribuir com o desenvolvimento da própria educação e o nosso país.

Na conferência Mundial sobre Ensino Superior, que foi realizada em julho de 2009 com o tema The New Dynamics of Higher Education and Research For Societal Change and development, reafirmou-se os diversos princípios dos documentos de 1996 e 1998, que já foram expostos acima.

Também foi fundamental outra palestra que organizamos em 2000. O Professor Michel Thiollent contribuiu muito com sua apresentação intitulada “Reflexões sobre a Condição Estudantil”, que publicamos como capítulo de livro na coletânea “Movimento Estudantil Brasileiro e a Educação Superior” (2007).

O Professor Thiollent focou num aspecto crucial para o entendimento da vida em repúblicas, como “os aspectos da condição estudantil que dizem respeito à transição da adolescência para a idade adulta, à aprendizagem social e cultural fora das salas de aula, à percepção das mudanças que ocorrem na participação política dos jovens na sociedade”, bem como a questão do individualismo e dos valores de solidariedade no que se refere aos comportamentos dos estudantes e às possibilidades de livre expressão.

Também não se deixou dúvidas sobre a aprendizagem propiciadas pelas repúblicas:

“Boa parte da experiência, em termos de sabedoria, consciência política, gosto cultural e valores, é adquirida de modo extra-curricular, nas conversas informais com colegas, nos bares, nas festas e, em caso de moradia coletiva, nos alojamentos ou repúblicas (...) Aprende-se muito nas universidades, como também aprende-se muito fora delas, nas ruas, nas praças, no centro, na periferia, no campo, conversando com colegas ou pessoas das mais diversas condições. A vida coletiva dos estudantes em repúblicas constitui um momento-chave de maior abertura para o mundo”.

Ao final de suas considerações, o Professor apontou para a ampliação das atribuições e atividades das repúblicas:


“As atividades intelectuais não se desenvolvem apenas como exigência curricular, mas como “projeto de vida”. Imagino que muitos estudantes de hoje, procurando promover formas de expressão cultural e dominar mecanismos da informação, poderiam, entre outros objetivos, pôr o seu conhecimento a serviço de iniciativas de cultura, formação e informação alternativas, em diversas áreas, sob forma de experimentações na vida social e cultural relacionadas com percepções do passado, do presente e com preocupações de futuro. Nesse sentido, o espaço de liberdade de expressão de que dispõem os estudantes universitários na organização comunitária das repúblicas poderia ser mais bem aproveitado e fortalecido por meio de uma mais efetiva inserção na cultura local”.

As falas de Freitag e Thiollent são muito significativas. Elas nos apontam para o aprendizado ao longo da vida, a importância da democracia como valor supremo e como a cidadania precisa ser construída, que são aspectos fundamentais quando pensamos em educação superior.

Em palestra na UFOP (2002), o Professor Elísio Estanque aceitou nosso convite para trocar experiências sobre as repúblicas de Coimbra e Ouro Preto. Como experiente Professor e Pesquisador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, também entendemos que a apresentação de suas experiências nos propiciou um belo exercício de reflexão sobre as repúblicas e os estudantes de Ouro Preto, porque ele é um estudioso do tema das juventudes no seu País.

Um primeiro aspecto da fala de Estanque que trazemos é a relação entre repúblicas e a cidade.

“Ouro Preto e Coimbra possuem em comum o fato de serem cidades universitárias marcadas o seu cotidiano pela presença da universidade e dos jovens estudantes universitários (...) Parece-me, quer Coimbra, quer Ouro Preto, que elas estruturam e reestruturam a sua identidade coletiva enquanto cidades por via da Universidade, por meio dos seus estudantes e pela própria projeção que a Universidade pode induzir”. “A cidade de Coimbra depende muito dos estudantes. A economia doméstica das famílias de Coimbra passa direta ou indiretamente pela presença dos professores, funcionários, estudantes etc”.

Para Estanque, as repúblicas em Coimbra recebem um tratamento digno por parte dos amplos setores da sua população:

“A relação da cidade de Coimbra com os estudantes é de acolhimento e aceitação. E há uma tolerância muito grande com o estudante. Não há de modo nenhum uma clivagem ou mesmo conflito, nem mesmo latente, entre a cidade e o estudante. Pelo contrário, a cidade recebe os estudantes e se orgulha de ser a cidade dos estudantes”.

Também destacou que o combate entre população e estudantes é muito perverso, advertindo que o respeito precisa ser mútuo:

“O divórcio entre cidade e universidade é negativo, particularmente em cidades como Coimbra e Ouro Preto. Porque a projeção da comunidade no mundo é a luta por reconhecimento. O que estamos a falar é a luta simbólica pelo reconhecimento que as comunidades buscam. Coimbra é conhecida principalmente pela sua universidade. No caso de Ouro Preto, pelo fato de ser patrimônio é uma vantagem enorme. E o fato de ser uma cidade estudantil também contribui para isso, porque se fosse uma cidade industrial seria mais difícil de preservar todo um ambiente paisagístico, arquitetônico e ambiental. Eu penso que as repúblicas que surgiram espontaneamente ao longo do tempo e tem o peso que tem e o significado social têm que ser mantidas, tem que ser reguladas, porque se tem irreverência também tem que haver limites”.

Como um dos educadores mais prestigiados de Portugal, o Professor Estanque também não ignorou a importância das repúblicas para a formação dos estudantes:

“Eu acho a questão das residências estudantis muito importante. E é uma forma do estudante ter sua aprendizagem social ao lado daquilo que aprende na sala de aula. Ele aprende a se relacionar com outros, e isso para mim é algo muito importante. Eu penso que isso poderia facilitar de fato a participação do estudante na vida cívica em geral. Universidade não pode ser uma coisa fechada. A universidade existe para servir a comunidade, para servir a sociedade. A universidade precisa ser uma coisa mais ativa e voltada à formação ao longo da vida. E isso significa que a universidade não é só para o jovem que está se formando aos 23 ou 24 anos para desempenhar uma atividade profissional. A universidade é para todos, inclusive para a terceira idade”.

O Professor Estanque também expôs sua opinião sobre a questão da tradição nos dias de hoje, mais uma vez focando na sua própria instituição, que já completou mais de setecentos anos de existência:

“As universidades e as cidades universitárias não podem mudar esse fenômeno irreversível da globalização. E as instâncias universitárias poderiam fazer muito mais do que fazem, porque é possível e desejável conciliar tradição com modernidade. E uma parte da Universidade de Coimbra vive só a olhar o passado glorioso e esquece que no presente vão surgir outras universidades mais dinâmicas. A Universidade de Coimbra precisa responder com iniciativas mais ousadas e mais modernas usando a sua própria tradição e a sua história como capital. Eu penso que tradição é fundamental. E Coimbra tem essa vantagem em relação às outras universidades. A questão é saber tirar daí o melhor proveito”.

Como um importante estudioso da experiência universitária, acredito que um dos pontos altos de sua fala foi definir com precisão o significado das “repúblicas”:

“A cultura juvenil e a irreverência estudantil tem muito a contribuir. A república é uma coisa fantástica. Se nos formos à origem do espírito das repúblicas nós iremos à Grécia e a própria origem da democracia. É a contradição ao individualismo. Essas civilizações, comandadas pelas grandes potências nos tem conduzido. A república é a obrigação da partilha, é aquilo que nos ensina a lidar com a diferença e tem um capital imenso. Um capital para a humanidade, mas também é um capital incrivelmente importante para a própria pessoa conseguir mais tarde uma colocação. Em qualquer emprego ou em qualquer atividade o trabalho em equipe é fundamental. Temos de aprender a conviver com as diferenças”.

Estanque também fez um importante comparativo entre as repúblicas de Ouro Preto e Coimbra:

“Eu diria, comparando as repúblicas de Ouro Preto com as de Coimbra, talvez em Coimbra elas tenham um significado simbólico maior, mas tem uma representatividade menor que as de Ouro Preto” (...) As repúblicas que existem em Ouro Preto e em Coimbra devem ser incentivadas e devem ser apoiadas pela universidade e suas instâncias”.

Enfim, o debate sobre as moradias estudantis em Ouro Preto foi feito antes mesmo da criação da Universidade (1969). A questão das moradias universitárias está posta desde o início primeira instituição universitária no Brasil, a Faculdade de Direito de São Paulo. Em 1830, a falta vagas para moradia em São Paulo era um grande problema, cuja solução dada pelo diretor foi atender os estudantes fornecendo os cubículos de um mosteiro para que morassem.

Mas o debate que está ocorrendo de forma sistemática sobre a questão da moradia desde 2006 precisa prosseguir e chegar a parâmetros mais razoáveis e rápidos. É preciso reconhecer os avanços, bem como estudar o que foi pensado anos atrás sobre a inserção da universidade na sociedade, também.

Como foi o caso do Seminário O Papel da Universidade Pública Brasileira (em 1994) nos 25 anos da UFOP. O então Reitor, o Professor Renato Godinho Navarro, dirigindo-se ao maior educador do nosso País, o Professor Paulo Freire, veio reafirmar o seu compromisso com uma universidade pública:

“Eu não tenho dúvida, olhando do ponto de vista do estudante, de que o estudante formado entre quatro paredes é um, e o estudante formado junto com os problemas da população é outro tipo de estudante, outro sujeito histórico, uma outra pessoa com outro conceito de cidadania”.

O Professor Godinho podia estar se referindo especificamente aos estudantes moradores de república, que de alguma forma pertencem ao maior trabalho de extensão da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP).

Na ocasião, o educador Paulo Freire sabiamente teceu considerações sobre uma escola que permite o exercício glorioso da liberdade e a aventura de criar, bem como da briga pela superação dos problemas. E que o errar do jovem estudante seja de fato objeto de aprendizagem e reflexão. Mas nunca de repressão:

“Quando um aluno erra, eu o aplaudo, porque o erro mostrou que ele exercitou a curiosidade epistemológica. Tudo isso vai dando força aos que começaram timidamente a briga. Que continuem a briga, advertindo aqueles que têm medo. Essa briga vai terminar por afetar os impossíveis direitos, os injustos regalos, que vão começar a reagir, é claro, contra essa briga. É assim que a gente vai à luta diária, é assim que a gente vai viabilizando a luta (...) É preciso brigar , viver para brigar com os outros para que os outros façam, fabriquem essa cidadania. (...) “Então, exercitar a cidadania a cidadania, implica ter voz, discursar no sentido figurado que estou dando, metafórico. É o direito de romper, de optar, é o direito de brigar , de sonhar, é o direito de ter utopias (...) a juventude precisa conhecer as diferenças (...) Ninguém aprende só dentro de um ângulo, metido numa camisa-de-força. É preciso o diferente” (Palestra de Paulo Freire na UFOP, 1994).

O debate em torno destes documentos e das próprias falas indicam que não só que precisamos dar conta dos problemas antigos, como também precisamos apresentar as possíveis soluções para os problemas que surgem hoje e acabam se acumulando sem nenhuma resposta para o futuro.

Mas não acredito que as repúblicas não estão tão distantes do que pensam os especialistas e os próprios documentos. É com as palavras do maior educador do Brasil (que foi perseguido, incompreendido, expulso da Universidade, preso e exilado e por defender suas idéias em defesa de uma pedagogia do oprimido) que encerro o texto, colocando o seu conteúdo muito mais com o objetivo de incentivar os atuais moradores:

“Acho que a luta pela cidadania é de todo dia, de toda hora, é uma luta nossa. Tem que ser levada, tem que ser dada por nós (...) O grande trabalho do dominado é poder converter a força do opressor em fraqueza. A grande dialética da confrontação opressor-oprimido é esta. Chega o momento da experiência em que o oprimido transforma a sua debilidade em força, a força do opressor se amesquinha e é transformada em debilidade”.

Pois enquanto os estudantes tentam dialogar de forma aberta e fraterna com o Ministério Público, a administração da UFOP e os moradores de Ouro Preto para o encontro de caminhos para a melhoria das repúblicas, o que percebemos é a presença de outros setores que tentam destilar o seu preconceito e ódio contra os estudantes. Ou que querem jogar os estudantes em verdadeiros guetos, novamente sem argumentos factíveis.

Como pensava Paulo Freire, enquanto não formos sujeitos do nosso conhecimento e tivermos a capacidade de cavar a nossa própria liberdade e autonomia para vivermos a vida com dignidade, a chance de sermos oprimidos será muito maior.

O critério universal na seleção dos moradores das repúblicas é o que considero como o mais justo e adequado ao sistema de educação superior de Ouro Preto. Vamos aos argumentos.

O tema das moradias universitárias é uma questão em pauta desde os primórdios do ensino superior no Brasil, pois foi a primeira reivindicação de um grupo de estudantes da Faculdade de Direito de São Paulo (a primeira instituição no país) que tinham dificuldades de encontrar casas na cidade, mas que acabaram sendo atendidos com a criação de vagas para moradia nos cubículos de um mosteiro que abrigava a Faculdade, em 1830.

Outro momento importante foi a criação da UnB, no início da década de 1960, a primeira universidade fundada sem a junção de outras escolas e com a função de irradiar um modelo dinâmico de ensino superior ao que já existia, cujo projeto inicial era construir moradia para abrigar todos os seus alunos, no sentido de permitir-lhes o intercâmbio de experiências entre os diferentes.

Como o aperfeiçoamento de moradia estudantil da UFOP irá passar pela adoção de um sistema heterogêneo, pois é o estudante – assistido por setores da universidade – que sabe qual o melhor lugar para se morar durante o seu curso universitário e o quanto isso é fundamental para o seu sucesso profissional. E o quanto a sua formação abrangente é de interesse do País.

A opção de moradia em república irá continuar com a autonomia, responsabilidade, gestão própria e bem sucedida até os dias de hoje. O alojamento e quartos individuais também serão repensados, principalmente com a participação de profissionais como pedagogos, assistentes sociais, sociólogos e psicólogos na elaboração dos projetos.

Como sabemos que a linguagem autoritária reduz tudo a uma única voz, pois visa afastar o diálogo entre as pessoas justamente para criar guetos que interessam determinados grupos e não a sociedade como um todo, também sabemos que o mundo se transformou quanto mais dialogicamente as relações sociais se estabeleceram e a juventude teve espaço privilegiado.

As melhores universidades do mundo sabem respeitar a opção de moradia dos seus estudantes. É um assunto a ser tratado dentro de um projeto pedagógico institucionalizado, que é garantido pela autonomia das nossas universidades. No meu entender, o critério sócio-econômico não se aplica a nenhum dos modelos, pois é pedagogicamente recomendado que os próprios estudantes façam suas escolhas e aprendam o quanto antes a conviver com as diferenças. A imposição não é a solução, pois na educação dos nossos jovens, além do respeito, também precisamos entender que tratamos de seres não autômatos.


*Pesquisador do NEEPD-UFPE. Autor de “Repúblicas de Ouro Preto e Mariana: Percursos e Perspectivas” e co-organizador dos livros “Movimento Estudantil Brasileiro e a Educação Superior”, Juventude e Movimento Estudantil: Ontem e Hoje” e “Movimentos Juvenis na Contemporaneidade”.

E-mail: otaviomachado3@yahoo.com.br