UM PRIMEIRO ROTEIRO PARA A COMPREENSÃO DA HISTÓRIA DAS REPÚBLICAS DE OURO PRETO
Otávio Luiz Machado*
No momento em que a Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) possui as melhores condições de dar um salto para ampliar sua contribuição à educação brasileira, o que percebemos mais uma vez é uma intensa campanha contra a instituição.
Fui ex-morador de uma república num momento em que representávamos 1% da população estudantil da UFOP, o que indicava claramente a insuficiência do número de estudantes e da variedade de opções de cursos há poucos anos atrás.
Como a expansão da UFOP está incomodando bastante alguns grupos que não possuem legitimidade para falar em nome do “povo de Ouro Preto”, o linchamento das repúblicas federais foi a forma encontrada por tais setores minoritários para barrar o projeto dos inconfidentes, que era criação de uma grande universidade em Ouro Preto.
Com uma posição implacável contra a instituição através de ataques às repúblicas, na fala desses grupos não há espaço para o aperfeiçoamento, o diálogo aberto, o respeito à história de vida de milhares de ex-alunos e um mínimo de solidariedade aos “de baixo” da cidade.
O que é mais mesquinho em tudo que acompanhamos, além do egoísmo natural dos que não pensam na população mais desassistida que precisa de uma universidade com mais cursos e estudantes para ser capaz de construir e executar mais projetos em prol dos interesses da sociedade, é o uso político da história, a celebração do esquecimento e a inserção de interesses político-partidários acima dos interesses maiores da população.
Ao invés de ouvirmos uma vanguardinha que grita usando o nome do “povo de Ouro Preto”, acredito que seria mais justo que déssemos voz aos setores mais explorados da população para opinarem sobre quem saiu prejudicado com a interrupção do carnaval de 2010. E que respondam aos demais setores da sociedade o seguinte: quem sairá mais prejudicado com o fim das repúblicas federais do centro histórico da cidade (os primeiros passos buscando efetivar tal arbitrariedade já foram dados)?
Como é natural existir nas leituras que fazemos diariamente de textos extremamente preconceituosos contra os estudantes de Ouro Preto e a instituição UFOP (uma das melhores universidades do nosso País), notadamente com o intuito de promover um conflito de membros da UFOP com os moradores da cidade de Ouro Preto, o que se percebe nas entrelinhas do seu discurso e do lugar social dos seus enunciadores é o descompromisso com a universidade pública, o mero interesse político-partidário e a busca de oportunidade de autopromoção com o assunto que sempre teve o imenso interesse da imprensa.
O argumento mais fácil de ser rebatido da minoria que diz falar em nome do “povo” é aquele que anuncia os estudantes de Ouro Preto como atores nada importantes para a conservação do patrimônio histórico de Ouro Preto após a transferência da capital de Minas Gerais para Belo Horizonte, inclusive desvalorizando as enormes transformações na vida social de Ouro Preto após a transferência. O terreno da má fé encontrou aí o seu ponto mais alto.
Mas apresento alguns dados que podem ajudar a apontar importantes caminhos para o entendimento do assunto. Tais dados já foram utilizados nos livros REPÚBLICAS DE OURO PRETO E MARIANA: PERCURSOS E PERSPECTIVAS, REPÚBLICAS ESTUDANTIS DE OURO PRETO: TRAJETÓRIAS E IMPORTÂNCIA E REPÚBLICAS ESTUDANTIS DE OURO PRETO E A CONSTRUCAO DE UM PROJETO DE PAÍS.
Antes de prosseguir, o registro da nossa expectativa quanto aos novos trabalhos que possam surgir – para que tenhamos um pouco mais adiante avanços significativos nos estudos da área – é fundamental. Mas o que de fato precisamos lutar é o domínio de uma gestão documental mais interessada em disponibilizar as fontes documentais para amplos setores da nossa sociedade no sentido de dar sua contribuição para a construção de uma sociedade essencialmente democrática.
Para o devido conhecimento da história de Ouro Preto, além de uma infinidade de fontes que podemos recorrer, também se faz necessário a construção de um banco de som e de imagem até os períodos mais remotos que fossem possíveis.
Pelos relatos dos ex-alunos da Escola de Minas de Ouro Preto que vivenciaram o período de transferência da capital, como é o caso de Pedro Rache (formado em 1901) e de Amaro Lanari (formado em 1909), bem como dos estudiosos do cenário ouropretano no período, Vicente de Andrade Racioppi (pesquisador e Presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Ouro Preto nos anos 1930), Augusto de Lima Júnior (escritor e filho do juiz Augusto de Lima), Rodrigo Meniconi (arquiteto, Professor e autor de estudo sobre o patrimônio histórico e artístico de Ouro Preto), José Murilo de Carvalho (Professor e Pesquisador da UFRJ), José Efigênio Pinto Coelho (Pesquisador e Restaurador), José Fiúza de Magalhães (Engenheiro e Escritor), Cyntia Veiga (UFMG) e Kleverson Teodoro de Lima (Mestre em História pela UFMG e Professor do IFMG), o que percebemos na riqueza dos detalhes apresentados nesses textos não deixam dúvidas de que a presença dos estudantes não pode ser em nenhum momento descartada ou negligenciada.
Também não podemos fechar os nossos olhos aos que buscam apresentar Ouro Preto como um espaço com forte contribuição dos estudantes para a sua paisagem urbana, como é o caso de Rachel de Queiroz (escritora), de Alceu Amoroso Lima (poeta, Professor e jurista) ou de Manuel Bandeira (poeta, escritor e funcionário do Departamento de Patrimônio Nacional).
Em ambos os casos, o que podemos perceber são as transformações que culminaram na formação de um sistema de repúblicas ao longo do tempo, pois a cidade conservou e também ampliou a sua imagem de “cidade dos estudantes”, tornando a contribuição dada a cidade pelos estudantes cada vez mais forte (como ainda se é nos dias de hoje).
Até o final dos anos 1950, como a cidade ainda não havia se recuperado totalmente da decadência provocada pela transferência da capital, acreditamos que iniciativas ousadas contribuíram decisivamente para a cidade de Ouro Preto. Foi justamente aí o começo da aquisição de casas com recursos da União, como é o caso do primeiro imóvel – de uma série de tantos – adquirido pela Escola de Minas em 1958, que foi destinado para a instalação de uma república.
Então, como a ocupação das casas foi fundamental para a conservação da cidade – a exemplo do que já vinha sido feito nas décadas anteriores pelos estudantes nos prédios particulares –, o que podemos afirmar é que uma experiência acumulada durante décadas de forma bem sucedida deveria ser tratado com um pouco mais de respeito.
Não seria exagerado ressaltar que os estudantes e ex-estudantes deveriam ser tratados com um pouco mais de gratidão pelos que dizem “falar” em nome do povo de Ouro Preto, porque se os estudantes (hoje ex-alunos) – e as próprias instituições educativas da cidade – não tivessem entrado no circuito, o patrimônio histórico da cidade de Ouro Preto estaria parcialmente destruído nos dias de hoje.
Muitas repúblicas ‘particulares’ deixaram de existir ao longo de várias décadas, o que fica mais difícil sabermos o período de permanência, a quantidade de casas conservadas e o que foi feito detalhe por detalhe por cada conjunto de estudantes que habitaram diversos imóveis nos mais diversos locais, que não deixa de ser um fator em defesa da cidade.
Nos diversos documentos ou depoimentos se percebe a presença de gaúchos, cearenses, sergipanos, goianos, mineiros de regiões longínquas e tantos outros que moraram em repúblicas, como é o caso de Pedro Rache (ex-aluno formado em 1901), que nos apresenta a cidade no momento do debate sobre a mudança ou não para Belo Horizonte:
“Conservo vivas recordações esparsas dos venturosos dias da juventude. São recordações suaves, agradáveis, doces e encantadoras, em ligação com incidentes acadêmicos dos quais ocasionalmente participei. (...) Pouco depois da Proclamação da República, cogitou-se da mudança da Capital, atendendo às dificuldades naturais que impediam o desenvolvimento de Ouro Preto. Uma Constituinte especial foi convocada para tratar do problema. Reuniu-se em Barbacena. A luta entre o povo de Ouro Prêto, que se sentia prejudicado com a iniciativa, e os partidários da mudança foi rude e intensa. Ouro Preto fêz-se representar na Constituinte por alguns dos mais graduados de seus filhos que lançaram mão de todos os recursos, em defesa do velho baluarte das liberdades públicas. Mas afinal foram vencidos pela maioria, e a transferência para Belo Horizonte foi definitivamente assentada e decretada. Isto não impediu que o povo de Ouro Prêto ficasse imensamente agradecido a seus defensores e lhes preparasse estrondosa recepção, por ocasião de seu regresso da campanha perdida. O entusiasmo era indescritível! Verdadeiro desabafo de protesto! O povo vibrou e o imenso cortejo de manifestantes deslocou-se da estação para o centro da cidade, entre estrondosas aclamações aos heróis, detendo-se em pontos pre-determinados para ser ouvida a palavra dos constituintes festejados. Rocha Lagôa, Costa Sena, Camilo de Brito e alguns outros de cujos nomes não me recordo, eram os grandes heróis do dia. Deviam agradecer aquela estrondosa vibração da massa popular, reconhecida pela brilhante defesa de seus direitos. Era do programa” (RACHE, Pedro. Homens de Ouro Preto (Memórias de um estudante). Rio de Janeiro: A. Coelho Branco Filho Editor, 1954).
A partir da tese de doutorado da Professora Cyntia Veiga, defendendo que “nos pressupostos dos projetos urbanos elaborados ao final do século XIX, também estiveram embutidas as premissas de formação e educação do cidadão”, podemos ter importantes reflexões sobre o aspecto educativo que permeou tanto a transferência, inicialmente, como também se tornou um ponto que permeou o discurso dos que ali ficaram:
“A propaganda pela mudança da capital é retomada logo após a proclamação da República (inclusive com uma representação dos estudantes mineiros da Faculdade de Direito, pedindo a mudança) e dirigida ao governo provisório de Cesário Alvim (...) Os grupos que aderiram à mudança, denominados “mudancistas”, eram liderados pelo republicano mineiro João Pinheiro e os contrários, anti-mudancistas, eram em geral elementos ligados ou residentes em Ouro preto que temiam uma derrocada total da cidade e reivindicavam mudanças e melhorias, não para outro local, mas para a própria capital de então” (Veiga, Cynthia Greive. “Cidadania e educação na trama da cidade: a construção de Belo Horizonte em fins do século XIX”. Campinas: Programa de Pós-Graduação em História da Unicamp, 1994. Tese de Doutorado).
No estudo de um pesquisador respeitado (além de importante restaurador de Ouro Preto), a situação da cidade após a transferência da capital não estava nada boa para os que ali permaneceram:
“Ouro Preto entra em caos: falta d’água, funcionários da Câmara sem receber os salários, obras paralisadas, muito desemprego, estabelecimentos comerciais e hotéis fechando as portas; até o trem já não andava mais em seu horário habitual. (...) Até a paróquia de N. S. da Conceição ficou sem pároco por muito tempo, pois, não tinha recursos para sustentar um padre, isto em 1896” (PINTO COELHO, José Efigênio. A mudança da capital 1897-1987: um trabalho de restauração e pesquisa do arquivo da Câmara Municipal de Ouro Preto. Ouro Preto: Artes Gráficas Tiradentes LTDA, 1987p.5-6).
Também havia o risco de uma quase destruição da cidade de Ouro Preto no período da transferência da capital, considerando que só em décadas recentes a defesa do patrimônio da cidade tornou-se um assunto mais consensual entre os diversos grupos sociais da cidade:
“Ouro Preto foi o cenário dos meus primeiros anos de vida consciente e onde passei os mais risonhos dias da existência, despreocupado e feliz, na sonhadora fase dos encantamentos infantis. (...) Quando se mudou a Capital para o antigo arraial do Curral Del Rei, surgiram, opiniões de que se deviam derrubar aquêles templos e edifícios principais, carregando-se a pedra para as construções da nova cidade. Felizmente apurou-se logo que a economia com os cavouqueiros seria menor do que custo do transporte das pedras em Ouro Preto para o Belo Horizonte. Pois a verdade é que por ocasião da mudança da capital para Belo Horizonte, deu-se fenômeno igual ao da remoção dos judeus para Babilônia. Antes , durante e depois dessa transmigração em massa, os gemidos, murmurações e lamentos que se faziam ouvir, eram de cortar o coração. Houve mortes por paixão e saudade e muitas criaturas definhavam de melancolia de tal modo que se viram forçadas a, durante certo tempo, alternar a nova residência com a velha” (Lima Junior, Augusto de. “Serões e vigílias. (Páginas Avulsas). Rio de Janeiro: Livros de Portugal, 1952).
Para dois ex-alunos da Escola de Minas, que se debruçaram para escrever parte da história de Ouro Preto, as repúblicas estudantis tornaram-se um elemento dinâmico na cidade, cuja vida universitária foi integrada às outras tradições da cidade. Para José Fiúza de Magalhães,
“A cidade tem de mais típico o seu conjunto barroco, os museus, as igrejas e capelas e a vida universitária. (...) As repúblicas são a tradição da cidade. Hoje existe o restaurante da Universidade (bandejão), mas até alguns anos atrás , cada República possuía sua própria cozinha, tudo administrado , em cada mês, por um “Presidente”, alternadamente. Cada República tinha 7 ou 8 membros, de acordo com o tamanho da casa e algumas ainda guardam este sistema. As Repúblicas deram origem a uma forma de vida típica da cidade. (...) Á época da mudança da capital, uns achavam que a cidade projetada para o sítio de Curral Del Rey não iria adiante, outros que Ouro Preto iria morrer. (...) O fato é que tanto Belo Horizonte progrediu, como Ouro Preto manteve-se impávida, seja por ter ficado com as suas tradicionais Escola de Farmácia e Escola de Minas e outras instituições de ensino, guardando a sua característica universitária, seja por continuar abrigando o 10º Batalhão de Caçadores, que mantinha o seu efetivo de uns 500 homens, com aportes de recursos e conseqüentes dispêndios na cidade. E ainda havia a mineração e outras atividades”. Magalhães, José Fiúza de. Ouro Preto: Casos, Canções e Emoções. Um relato do folclore, da boemia, do estilo dos estudantes e de emoções vividas. Rio de Janeiro: Forense, 1989, p. 4-6).
Para o outro ex-aluno, David Dequech, que produziu uma obra muito conhecida entre os mais antigos ex-alunos de Ouro Preto – que mesclou aspectos da história de Ouro Preto com o folclore estudantil –, as Escolas de Minas e de Farmácia marcaram a sobrevivência efetiva de Ouro Preto:
“Quando o Governador eleito, Crispim Jacques Bias Fortes, tomou posse em 7 de setembro de 1894, Ouro Preto possuía 18.000 almas. Aqui se desenvolvia a intelectualidade mineira, com a Escola de Farmácia e a Escola Livre de Direito. Não era apenas a fama da vida acadêmica de Ouro Preto que atraía jovens de estados longínquos como o Rio Grande do Sul e Maranhão. (...) Desde agosto de 1897 funcionários e órgãos estão se transferindo para a nova Capital. A Central do Brasil colocou à disposição, pelo prazo de um mês, 24 carros para o transporte de pessoas, móveis, caixas com papéis do arquivo público, etc. Na estação, vivem-se momentos históricos da despedida. (...) Enquanto isso, em Ouro Preto, muitas casas são abandonadas , e a desvalorização dos imóveis é tão grande que muitas vezes nem compensa quitar os seus impostos. O comércio atacadista também se transfere. Os profissionais liberais são compelidos , em sua maioria, a buscar serviço fora dos limites da sua terra. (...) Ouro Preto resistiu. Transformou-se em cidade lírica, pacata, sem as lides políticas e comerciais que a agitaram durante 200 anos e com os recursos urbanísticos que a nova Capital levaria ainda muitos anos para desfrutar. Cidade interiorana , mas ainda o centro cultural do Estado. A Escola de Minas transferiu-se para o antigo Palácio do Governo. Em torno dela e da Escola de Farmácia, com seus alunos, funcionários, professores e familiares, sobrevivia a antiga Capital” DEQUECH, David. “Isto Dantes em Ouro Preto. Belo Horizonte, 1984, p. 66, 80-81.
Na obra mais aprofundada sobre a história da Escola de Minas – produzida no contexto do resgate da história da ciência do Brasil levada adiante nos anos 1970 –, de autoria do Professor José Murilo de Carvalho, a origem dos universitários passou por significativa mudança no final dos anos 1890, tendo como principal clientela estudantes do próprio Estado:
“A partir da República e da mudança da capital de Minas para Belo Horizonte, há progressiva predominância de alunos originários do próprio Estado, que atinge um máximo de 80% no período que vai de 1912 a 1920. Ao mesmo tempo, há redução de cariocas e fluminenses e maior dispersão entre os Estados, com presença marcante de São Paulo, Rio Grande do Sul e Ceará. É provável que o significativo número de alunos de São Paulo se deva à proximidade geográfica e ao desenvolvimento econômico do Estado. Uma economia mais complexa aumentava a demanda por cursos superiores e abria perspectivas para novas especializações. Nos casos do Rio Grande do Sul e Ceará, só me ocorre como explicação o fato de serem dois Estados relativamente importantes em termos econômicos e populacionais que no Império não tinham escolas superiores e na República não tinham escolas superiores técnicas” (Carvalho, J. M. A Escola de Minas de Ouro Preto: o Peso da Glória. 2ª ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002, p. 100
A situação de quase abandono da cidade de Ouro Preto com a diminuição da população, o que permitirá a abertura maior da cidade para sua vocação como “cidade dos estudantes”, aumentou o risco de não conservação do patrimônio histórico de Ouro Preto, o que podemos reconhecer desde então o trabalho iniciado pela Escola de Minas e das próprias repúblicas neste aspecto:
“Com a criação da Escola de Minas, patrocinada pelo Imperador e levada a efeito por Gorceix, irá consolidar-se uma nova vocação da cidade, que já sediava o Liceu Mineiro e a Escola de Farmácia, a de centro de formação e de estudo. A escola de engenharia , considerando a industrialização da província e do país, destinava-se a formar agentes de modernização; com sua extensa e consistente formação técnico-científica e seu caráter operativo, seus alunos contribuirão nas mudanças da feição do país. Posteriormente a Escola vai manter viva a cidade, devido a sua fundamental importância na vida econômica e social e à conservação das “repúblicas” e do antigo Palácio” (MENICONI, fevereiro de 2000, p.55).
Na reocupação da cidade de Ouro Preto – com a presença dos estudantes nesse momento –, que também foi objeto de um importante trabalho produzido por um ex-aluno do ICHS da UFOP, o que se percebe é uma forte migração para a cidade:
“A segunda questão refere-se ao processo de reconstrução da vida social após a migração de parte dos moradores de Ouro Preto para Belo Horizonte, outro tema tocado superficialmente pelas pesquisas rastreadas. Em 1890, sete anos antes da mudança da capital, a sede de Ouro Preto contava com 17.857 habitantes; três décadas depois esse número girava em torno de 11.857. Uma diferença, portanto, de 6.000 moradores (ou 34%) (Annuario Estatistico de Minas Gerais de 1921, Anno I, Belo Horizonte: Imprensa Oficial. 1921). Como esse percentual demonstra um número de evasão menor que o indicado no trabalho de Rodrigo Meniconi (45%), acreditamos, em sintonia com José Efigênio Pinto Coelho (1987), que a sede tenha absorvido novas levas de moradores após a fase do intenso abandono. Esse novo contingente foi composto pelas famílias que viviam nas regiões próximas a Ouro Preto e pelos estudantes que vieram ingressar, sobretudo, na Escola de Minas e na Escola de Farmácia (Jorge,1986; Coelho,1987; Carvalho, 2002; Machado, 2008).vi Eles encontraram um cenário favorável às suas acomodações, já que a evasão levou ao abandono de parte dos imóveis, gerando o aumento da oferta de compra, venda e aluguel e, talvez a prática mais comum, a ocupação não autorizada das edificações. A antiga capital parece ter se reconstruído a partir desses três setores: os remanescentes, que permaneceram por razões distintas em Ouro Preto; os migrantes que vieram das regiões próximas; e as novas levas de estudantes, que se diferenciavam pela tendência de fixação temporária. Essa divisão tripartida não deve guiar o leitor à idéia de homogeneidade, já que esses setores se dividiam em grupos sociais distintos com discursos e interesses próprios. Diante da necessidade de reconstrução das redes de sociabilidade após a mudança da capital nos perguntamos: como se deram as relações de aproximação e estranhamento entre esses três setores? É possível identificar em seus valores e práticas culturais pontos de misturas, superposições e resistências? Que nova cidade surge nesse período?” (LIMA, Kleverson Teodoro de. “Reconstrução Identitária de Ouro Preto Após a Mudança da Capital”. Ver em: http://www.ichs.ufop.br/memorial/trab2/h561.pdf)
Nada mais significativo dos registros foi o depoimento do ex-aluno idealizador da Fundação Gorceix. No momento em que a Escola de Minas demonstrava a perda do seu antigo vigor, mais uma vez a questão da moradia estudantil foi trazida, tendo como parâmetro o início da formação de seu sistema de repúblicas:
“No meu tempo de estudante, o máximo de alunos que atingimos nas 6 séries foi o de 28, se bem me lembro; a cidade estava em plena decadência, devido à mudança da capital para Belo Horizonte e à transferência de grande parte da sua população para a sede do Governo Mineiro. As casas, nem sempre habitáveis, sobravam; seu aluguel era irrisório e os pretendentes podiam usar do direito de escolha. De então para cá as coisas mudaram: o número de alunos cresceu, como cresceu, também, em proporção maior, a população da cidade. Dizem-me, a propósito, não sei de conhecimento próprio e não me levem a mal por isto, que a intenção é a melhor possível, que em Ouro Preto, atualmente, qualquer casinha de pau a pique é bangalô de Nhônhô, e sobrado e casa de pedra, solar de Sinhô, tais as alturas de seus preços e aluguéis. Esclareço, neste ponto, que considero sagrado e intocável o que existe em Ouro Preto de recordação do seu passado glorioso de Metrópole dos Mineradores, dos tempos áureos do século XVIII, do seu fausto e grandeza, de suas lutas, da Inconfidência e seus mártires, dos seus poetas, dos grandes homens que produziu e, também, do Ouro Preto que vivi, pobre e exaurido, dos tempos de Gorceix e seus primeiros sucessores. Isto, entretanto, não significa que a cidade, preservado o monumento nacional, não possa crescer e abrigar, condignamente, os mestres e estudantes de minas” (Discurso de Amaro Lanari, no 12 de outubro de 1959. Publicado na Revista da Escola de Minas e no livro “Escola de Minas: palavras de devoção e amizade”, Ouro Preto, 1959).
A reação à iminente destruição da cidade de Ouro Preto pode ter sido mais significativa com um artigo de Tristão de Athaíde (Alceu Amoroso Lima) em 1916.
Suas palavras foram essenciais para a adesão de outros intelectuais à causa, que produziu importante estudo publicado em 1938 sob o título “Guia de Ouro Preto”. Manuel Bandeira provocou com uma importante convocação: “Meus amigos, meus inimigos, salvemos Ouro Preto”,
No belo estudo de Bandeira apresenta um imóvel (que permaneceu durante longas décadas abandonado):
“No caminho das Lajes note-se o belo sobrado, que foi residência da família Mota. Pertenceu ao Barão do Saramenha e abrigou uma república de estudantes, o ‘Castelo dos Nobres’” (BANDEIRA, Manuel. Guia de Ouro Preto. Ilust. De Luís Jardim. Rio de Janeiro: Tecnoprint, 1967, p. 83).
Outro texto de Manuel Bandeira, “De Vila Rica de Albuquerque a Ouro Preto dos estudantes”, publicado em 1937 no livro “Crônicas da província do Brasil”, mais uma vez a importância dos estudantes para a cidade é referenciada. Outro livro, agora de autoria de Gastão Sebastião de Souza, cujo título é “O Aleijadinho de Vila Rica” (de 1933), também é referenciada a “Ouro Preto dos estudantes”.
Também indicaria os diversos jornais que circularam em Ouro Preto no final do século XIX, assim como os estudos apresentados na forma de teses, dissertações e monografias, que não deixam dúvidas sobre a importância histórica dos estudantes.
Tristão de Ataíde, o Alceu Amoroso Lima, havia manifestado, anos antes, a potencialidade de Ouro Preto para o ensino superior, através de artigo escrito para o GLTA:
“Pois aquilo que foi outrora S. Paulo, no tempo em que era a cidade dos estudantes, é hoje Ouro Preto. Seria aqui o logar ideal para uma grande Universidade. E estou convicto quwe ainda o será alfgum dia no futuro, quando os políticos e educadores se convencerem que é nas cidades pequenas que se levantam, em geral, os maiores centros de estudos – Coimbra ou Salamanca, Oxford ou Bohuhe, Cambridge (Harvard) ou Recife. Ouro Prêto eis o ambiente ideal para uma grande Universidade, no dia em que houver clima, no Brasil, para a verdadeira vida universitária, em que professôres e alunos, conjugados, viverão exclusivamente para as obras de estudo, de ensino e de pesquisa. Nesse dia, que é o alimento de nossa Esperança, a velha semente de Gorceix será o núcleo de uma vida intensa e profunda, em que milhares de estudantes farão de tuas montanhas as paredes de tuas Faculdades, de ciências e de Letras, em que as tuas ladeiras serão os caminhos para os passeios peripatéticos, em que teus monumentos serão os museus e as “repúblicas” desmanteladas de hoje serão as “fraternities” e as “sororities” de amanhã em que alunos e alunas, entre as casas de residência dos professôres, as salas de aulas, os laboratórios, os anfiteatros, farão da cidade outrora morta ou agonizante, o maior centro cultural de nossa terra. O passado será então a semente do futuro. O silêncio, os obstáculos naturais e a deslocação que haviam sido motivos de abandono, serão os próprios motivos da preservação de um ambiente naturalmente adequado à sêde de meditação e de estudo” (ATHAÍDE, Tristão de. “Saudação a Ouro Prêto”. In: A voz do GLTA, ano I, n. 7, págs. 1 e 5out/nov. 1965).
Athaíde mais uma vez profetizava, porque durante poucos anos depois, a então recém-criada Universidade Federal de Ouro Preto (que teve a participação dos estudantes para a concretização de sua criação) realizava sua expansão e promovia uma reforma gigante nos imóveis das repúblicas.
O registro de uma viagem sentimental de uma das nossas principais escritores a Ouro Preto, nos anos 1940, também não deixou esquecidos os estudantes da cidade, que até hoje não passam desapercebidos por qualquer turista:
“E no meio das pedras mortas e das casas vazias, vereis por tôda parte os estudantes de Ouro Prêto subindo e descendo as ladeiras, enchendo os cafés, tão anacrônicos e ao mesmo tempo tão bem situados naquela cidade que é sua, quanto a passarinhada da serra que faz algazarra nos beirais das velhas igrejas; ouvireis suas serenatas e seus discursos filosóficos, e depois no ar frio da serra a lua subir, iluminando as tôrres redondas de São Francisco, o Alto da Fôrca e o Morro da Queimada, e sentireis que o mundo não são apenas aquelas loucas cidades onde vivemos, não é só competição, dinheiro ou política, mas também êste silêncio, esta beleza, esta paz” (QUEIROZ, Rachel de. OURO PRETO. In: O Cruzeiro, 01/05/1948, p. 90).
Os dados apresentados acima integra um pouco do que foi pesquisado e ainda merece maiores aprofundamentos pelos novos pesquisadores, porque nosso principal objetivo nas pesquisas foi relacionar o movimento estudantil e a conquista das repúblicas.
Um apelo que deve ser feito no momento é que as fontes de pesquisas precisam estar disponíveis para novas pesquisas. É um esforço não só dos mantenedores de arquivos particulares por razões sentimentais, mas dos pesquisadores e das instituições. Só assim diminuiremos as enormes distorções quando falamos em divulgação da história das repúblicas de Ouro Preto.
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