Livro “Os Estabelecidos e os Outsiders: Sociologia das relações de poder a partir de uma pequena comunidade”, de Norbert Elias e John L. Scotson, Rio de Janeiro, Zahar Editores, 2000.
Apresentação do Livro (na contra-capa)
“Numa pequena cidade da Inglaterra, as tensões são múltiplas entre os habitantes estabelecidos e os forasteiros outsiders, considerados como estrangeiros que não partilham os valores e os modos de vida vigentes. São mantidos à distância no cotidiano, afastados dos locais de decisão, dos clubes e das igrejas. E essa rejeição se perpetua por duas ou três gerações, preservada pelos boatos e pelas fofocas.
Único livro propriamente etnográfico de Nobert Elias, “Os Estabelecidos e os Outsiders” é resultado de aproximadamente três anos de trabalho de campo em Winston Parva, nome fictício para a cidadezinha do interior da Inglaterra objeto deste estudo. Além de expor, por meio de um viés peculiar, sua perspectiva sobre a vida social e a sociologia, Elias oferece neste livro um valioso instrumental para a abordagem sociológica de questões de grande atualidade, como a violência, a discriminação e a exclusão social”.
p. 7-8 (Trechos da Apresentação à Edição Brasileira feita por Federico Neiburg intitulada “A Sociologia das relações de poder de Norbert Elias”)
“As palavras establishment e established são utilizadas, em inglês, para designar grupos e indivíduos que ocupam posições de prestígio e poder. Um establishment é um grupo que se autopercebe e que é reconhecido como uma “boa sociedade”, mais poderosa e melhor, uma identidade social construída a partir de uma combinação singular de tradição, autoridade e influência: os established fundam o seu poder no fato de serem um modelo moral para os outros.
Na língua inglesa, o termo que completa a relação é outsiders, os não membros da “boa sociedade”, os que estão fora dela. Trata-se um conjunto heterogêneo e difuso de pessoas unidas por laços sociais menos intensos do que aqueles que unem os established. A identidade social destes últimos é a de um grupo. Eles possuem um substantivo abstrato que os define como um coletivo: são os establishment. Os outsiders , ao contrário, existem sempre no plural, não constituindo propriamente um grupo social.
Os ingleses utilizam os termos establishment e established para designar a “minoria dos melhores” nos mundos sociais mais diversos: os guardiães do bom gosto no campo das artes, da excelência científica, das boas maneiras cortesãs, dos distintos hábitos burgueses, a comunidade de membros de um clube social ou desportivo.
Os habitantes do povoado industrial no qual Norbert Elias e John Scotson realizaram a pesquisa que serve de base a este livro também descreviam a diferença e a desigualdade social como relações entre estabelecidos e outsiders. Ainda que, segundo os indicadores sociológicos correntes (como renda, educação ou tipo de educação), Winston Parva fosse uma comunidade relativamente homogênea, não era esta a percepção daqueles que ali moravam. Para eles, o povoado estava claramente dividido entre um grupo que se percebia, e que era reconhecido, como o establishment local e um outro conjunto de indivíduos e famílias outsiders. Os primeiros fundavam a sua distinção e o seu poder em um princípio de antiguidade: moravam em Winston Parva muito antes do que outros, encarnando os valores da tradição e da boa sociedade. Os outros viviam estigmatizados por todos os atributos associados com a anomia, como a deliquencia, a violência e a desintegração.
(....)
Superioridade social e moral, autopercepção e reconhecimento, pertencimento e exclusão são elementos dessa dimensão da vida social que o par estabelecidos-outsiders ilumina exemplarmente: as relações de poder. Junto com o termo “establishment” , são as palavras rigorosamente intraduzíveis, pois descrevem uma forma “tipicamente inglesa” de conceituar relações de poder, de um modo abstrato ou puro, independente dos vários contextos concretos nos quais essas relações podem realizar-se. A força da sociologia de Elias consiste em mostrar de modo empiricamente consistente o conteúdo universal dessa forma singular de reações de poder – em descobrir, como diriam os antropólogos, a contribuição inglesa, e de Winston Parva, para uma teoria geral das relações de poder”
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