terça-feira, 20 de abril de 2010
domingo, 18 de abril de 2010
Trechos do livro “Outsiders: Estudos de sociologia do desvio”, de Howard Becker, Rio de Janeiro, Zahar Editores, 2008.
Livro “Outsiders: Estudos de sociologia do desvio”, de Howard Becker, Rio de Janeiro, Zahar Editores, 2008.
p. 15-30 (Capítulo “Outsiders”)
“Todos os grupos sociais fazem regras e tentam, em certos momentos e em algumas circunstancias, impô-las. Regras sociais definem situações e tipos de comportamento a elas apropriados, especificando algumas ações como “certas” e proibindo outras como “erradas”. Quando uma regra é imposta, a pessoa que presumivelmente a infrigiu pode ser vista como um tipo especial, alguém de quem não se espera viver de acordo com as regras estipuladas pelo grupo. Essa pessoa é encarada como um outsider.
Mas a pessoa assim rotulada pode ter uma opinião diferente sobre a questão. Pode não aceitar a regra pela qual está sendo julgada e pode não encarar aqueles que a julgam competentes ou legitimamente autorizados a fazê-lo. Por conseguinte, emerge um segundo significado do termo: aquele que infringe a regra pode pensar que seus juízes são outsiders”.
(...)
O outsider – aquele que se desvia das regras de grupo – foi objeto de muita especulacao, teorização e estudo científico.
(...)
A concepção sociológica que acabo de discutir define o desvio como a infracao de alguma regra geralmente aceita. Ela passa então a perguntar quem infringe regras e a procurar os fatores nas personalidades e situações de vida dessas pessoas, e que poderiam explicar as infrações. Isso pressupõe que aqueles que infrigiram uma regra constituem uma categoria homogênea porque cometeram o mesmo ato desviante.
Tal pressuposto parece-me ignorar o fato central acerca do desvio: ele é criado pela sociedade. Não digo isso no sentido em que é comumente compreendido, de que as causas do desvio estão localizadas na situação social do desviante ou em “fatores sociais” que incitam sua ação. Quero dizer, isto sim, que grupos sociais criam desvio ao fazer as regras cuja infração constitui desvio, e ao aplicar essas regras a pessoas particulares e rotulá-las como outsiders. Desse ponto de vista, o desvio não é uma qualidade do ato que a pessoa comete, mas uma conseqüência da aplicação por outros de regras e sanções a um “infrator”. O desviante é alguém a quem esse rótulo foi aplicado com sucesso; o comportamento desviante é aquele que as pessoas rotulam como tal.
Como o desvio é, entre outras coisas, uma conseqüência das reações de outros ao ato de uma pessoa, os estudiosos do desvio não podem supor que estão lidando com uma categoria homogênea quando estudam pessoas rotuladas de desviantes. Isto é, não podem supor que essas pessoas cometeram realmente um ato desviante ou infringiram alguma regra, porque o processo de rotulação pode não ser infalível; algumas pessoas podem ser rotuladas de desviantes sem ter de fato infringido uma regra.
(...)
Além de reconhecer que o desvio é criado pelas reações de pessoas a tipos particulares de comportamento, pela rotulação desse comportamento como desviante, devemos também ter em mente que as regras criadas e mantidas por essa rotulação não são universalmente aceitas. Ao contrário, constituem objeto de conflito e divergência, parte do processo político da sociedade”.
p. 15-30 (Capítulo “Outsiders”)
“Todos os grupos sociais fazem regras e tentam, em certos momentos e em algumas circunstancias, impô-las. Regras sociais definem situações e tipos de comportamento a elas apropriados, especificando algumas ações como “certas” e proibindo outras como “erradas”. Quando uma regra é imposta, a pessoa que presumivelmente a infrigiu pode ser vista como um tipo especial, alguém de quem não se espera viver de acordo com as regras estipuladas pelo grupo. Essa pessoa é encarada como um outsider.
Mas a pessoa assim rotulada pode ter uma opinião diferente sobre a questão. Pode não aceitar a regra pela qual está sendo julgada e pode não encarar aqueles que a julgam competentes ou legitimamente autorizados a fazê-lo. Por conseguinte, emerge um segundo significado do termo: aquele que infringe a regra pode pensar que seus juízes são outsiders”.
(...)
O outsider – aquele que se desvia das regras de grupo – foi objeto de muita especulacao, teorização e estudo científico.
(...)
A concepção sociológica que acabo de discutir define o desvio como a infracao de alguma regra geralmente aceita. Ela passa então a perguntar quem infringe regras e a procurar os fatores nas personalidades e situações de vida dessas pessoas, e que poderiam explicar as infrações. Isso pressupõe que aqueles que infrigiram uma regra constituem uma categoria homogênea porque cometeram o mesmo ato desviante.
Tal pressuposto parece-me ignorar o fato central acerca do desvio: ele é criado pela sociedade. Não digo isso no sentido em que é comumente compreendido, de que as causas do desvio estão localizadas na situação social do desviante ou em “fatores sociais” que incitam sua ação. Quero dizer, isto sim, que grupos sociais criam desvio ao fazer as regras cuja infração constitui desvio, e ao aplicar essas regras a pessoas particulares e rotulá-las como outsiders. Desse ponto de vista, o desvio não é uma qualidade do ato que a pessoa comete, mas uma conseqüência da aplicação por outros de regras e sanções a um “infrator”. O desviante é alguém a quem esse rótulo foi aplicado com sucesso; o comportamento desviante é aquele que as pessoas rotulam como tal.
Como o desvio é, entre outras coisas, uma conseqüência das reações de outros ao ato de uma pessoa, os estudiosos do desvio não podem supor que estão lidando com uma categoria homogênea quando estudam pessoas rotuladas de desviantes. Isto é, não podem supor que essas pessoas cometeram realmente um ato desviante ou infringiram alguma regra, porque o processo de rotulação pode não ser infalível; algumas pessoas podem ser rotuladas de desviantes sem ter de fato infringido uma regra.
(...)
Além de reconhecer que o desvio é criado pelas reações de pessoas a tipos particulares de comportamento, pela rotulação desse comportamento como desviante, devemos também ter em mente que as regras criadas e mantidas por essa rotulação não são universalmente aceitas. Ao contrário, constituem objeto de conflito e divergência, parte do processo político da sociedade”.
Trechos do Livro “Os Estabelecidos e os Outsiders: Sociologia das relações de poder a partir de uma pequena comunidade”,deNorbert Elias e John Scotson
Livro “Os Estabelecidos e os Outsiders: Sociologia das relações de poder a partir de uma pequena comunidade”, de Norbert Elias e John L. Scotson, Rio de Janeiro, Zahar Editores, 2000.
Apresentação do Livro (na contra-capa)
“Numa pequena cidade da Inglaterra, as tensões são múltiplas entre os habitantes estabelecidos e os forasteiros outsiders, considerados como estrangeiros que não partilham os valores e os modos de vida vigentes. São mantidos à distância no cotidiano, afastados dos locais de decisão, dos clubes e das igrejas. E essa rejeição se perpetua por duas ou três gerações, preservada pelos boatos e pelas fofocas.
Único livro propriamente etnográfico de Nobert Elias, “Os Estabelecidos e os Outsiders” é resultado de aproximadamente três anos de trabalho de campo em Winston Parva, nome fictício para a cidadezinha do interior da Inglaterra objeto deste estudo. Além de expor, por meio de um viés peculiar, sua perspectiva sobre a vida social e a sociologia, Elias oferece neste livro um valioso instrumental para a abordagem sociológica de questões de grande atualidade, como a violência, a discriminação e a exclusão social”.
p. 7-8 (Trechos da Apresentação à Edição Brasileira feita por Federico Neiburg intitulada “A Sociologia das relações de poder de Norbert Elias”)
“As palavras establishment e established são utilizadas, em inglês, para designar grupos e indivíduos que ocupam posições de prestígio e poder. Um establishment é um grupo que se autopercebe e que é reconhecido como uma “boa sociedade”, mais poderosa e melhor, uma identidade social construída a partir de uma combinação singular de tradição, autoridade e influência: os established fundam o seu poder no fato de serem um modelo moral para os outros.
Na língua inglesa, o termo que completa a relação é outsiders, os não membros da “boa sociedade”, os que estão fora dela. Trata-se um conjunto heterogêneo e difuso de pessoas unidas por laços sociais menos intensos do que aqueles que unem os established. A identidade social destes últimos é a de um grupo. Eles possuem um substantivo abstrato que os define como um coletivo: são os establishment. Os outsiders , ao contrário, existem sempre no plural, não constituindo propriamente um grupo social.
Os ingleses utilizam os termos establishment e established para designar a “minoria dos melhores” nos mundos sociais mais diversos: os guardiães do bom gosto no campo das artes, da excelência científica, das boas maneiras cortesãs, dos distintos hábitos burgueses, a comunidade de membros de um clube social ou desportivo.
Os habitantes do povoado industrial no qual Norbert Elias e John Scotson realizaram a pesquisa que serve de base a este livro também descreviam a diferença e a desigualdade social como relações entre estabelecidos e outsiders. Ainda que, segundo os indicadores sociológicos correntes (como renda, educação ou tipo de educação), Winston Parva fosse uma comunidade relativamente homogênea, não era esta a percepção daqueles que ali moravam. Para eles, o povoado estava claramente dividido entre um grupo que se percebia, e que era reconhecido, como o establishment local e um outro conjunto de indivíduos e famílias outsiders. Os primeiros fundavam a sua distinção e o seu poder em um princípio de antiguidade: moravam em Winston Parva muito antes do que outros, encarnando os valores da tradição e da boa sociedade. Os outros viviam estigmatizados por todos os atributos associados com a anomia, como a deliquencia, a violência e a desintegração.
(....)
Superioridade social e moral, autopercepção e reconhecimento, pertencimento e exclusão são elementos dessa dimensão da vida social que o par estabelecidos-outsiders ilumina exemplarmente: as relações de poder. Junto com o termo “establishment” , são as palavras rigorosamente intraduzíveis, pois descrevem uma forma “tipicamente inglesa” de conceituar relações de poder, de um modo abstrato ou puro, independente dos vários contextos concretos nos quais essas relações podem realizar-se. A força da sociologia de Elias consiste em mostrar de modo empiricamente consistente o conteúdo universal dessa forma singular de reações de poder – em descobrir, como diriam os antropólogos, a contribuição inglesa, e de Winston Parva, para uma teoria geral das relações de poder”
Apresentação do Livro (na contra-capa)
“Numa pequena cidade da Inglaterra, as tensões são múltiplas entre os habitantes estabelecidos e os forasteiros outsiders, considerados como estrangeiros que não partilham os valores e os modos de vida vigentes. São mantidos à distância no cotidiano, afastados dos locais de decisão, dos clubes e das igrejas. E essa rejeição se perpetua por duas ou três gerações, preservada pelos boatos e pelas fofocas.
Único livro propriamente etnográfico de Nobert Elias, “Os Estabelecidos e os Outsiders” é resultado de aproximadamente três anos de trabalho de campo em Winston Parva, nome fictício para a cidadezinha do interior da Inglaterra objeto deste estudo. Além de expor, por meio de um viés peculiar, sua perspectiva sobre a vida social e a sociologia, Elias oferece neste livro um valioso instrumental para a abordagem sociológica de questões de grande atualidade, como a violência, a discriminação e a exclusão social”.
p. 7-8 (Trechos da Apresentação à Edição Brasileira feita por Federico Neiburg intitulada “A Sociologia das relações de poder de Norbert Elias”)
“As palavras establishment e established são utilizadas, em inglês, para designar grupos e indivíduos que ocupam posições de prestígio e poder. Um establishment é um grupo que se autopercebe e que é reconhecido como uma “boa sociedade”, mais poderosa e melhor, uma identidade social construída a partir de uma combinação singular de tradição, autoridade e influência: os established fundam o seu poder no fato de serem um modelo moral para os outros.
Na língua inglesa, o termo que completa a relação é outsiders, os não membros da “boa sociedade”, os que estão fora dela. Trata-se um conjunto heterogêneo e difuso de pessoas unidas por laços sociais menos intensos do que aqueles que unem os established. A identidade social destes últimos é a de um grupo. Eles possuem um substantivo abstrato que os define como um coletivo: são os establishment. Os outsiders , ao contrário, existem sempre no plural, não constituindo propriamente um grupo social.
Os ingleses utilizam os termos establishment e established para designar a “minoria dos melhores” nos mundos sociais mais diversos: os guardiães do bom gosto no campo das artes, da excelência científica, das boas maneiras cortesãs, dos distintos hábitos burgueses, a comunidade de membros de um clube social ou desportivo.
Os habitantes do povoado industrial no qual Norbert Elias e John Scotson realizaram a pesquisa que serve de base a este livro também descreviam a diferença e a desigualdade social como relações entre estabelecidos e outsiders. Ainda que, segundo os indicadores sociológicos correntes (como renda, educação ou tipo de educação), Winston Parva fosse uma comunidade relativamente homogênea, não era esta a percepção daqueles que ali moravam. Para eles, o povoado estava claramente dividido entre um grupo que se percebia, e que era reconhecido, como o establishment local e um outro conjunto de indivíduos e famílias outsiders. Os primeiros fundavam a sua distinção e o seu poder em um princípio de antiguidade: moravam em Winston Parva muito antes do que outros, encarnando os valores da tradição e da boa sociedade. Os outros viviam estigmatizados por todos os atributos associados com a anomia, como a deliquencia, a violência e a desintegração.
(....)
Superioridade social e moral, autopercepção e reconhecimento, pertencimento e exclusão são elementos dessa dimensão da vida social que o par estabelecidos-outsiders ilumina exemplarmente: as relações de poder. Junto com o termo “establishment” , são as palavras rigorosamente intraduzíveis, pois descrevem uma forma “tipicamente inglesa” de conceituar relações de poder, de um modo abstrato ou puro, independente dos vários contextos concretos nos quais essas relações podem realizar-se. A força da sociologia de Elias consiste em mostrar de modo empiricamente consistente o conteúdo universal dessa forma singular de reações de poder – em descobrir, como diriam os antropólogos, a contribuição inglesa, e de Winston Parva, para uma teoria geral das relações de poder”
terça-feira, 13 de abril de 2010
sábado, 10 de abril de 2010
Artigo: Novamente em defesa dos estudantes de Ouro Preto: Imagem, Direito e um pouco mais de respeito
Novamente em defesa dos estudantes de Ouro Preto: Imagem, Direito e um pouco mais de respeito
Otávio Luiz Machado*
*Pesquisador do NEEPD-UFPE. Ex-Aluno da UFOP. Autor de livros e coletâneas. Destaque para: Repúblicas de Ouro Preto e Mariana: Percursos e Perspectivas; Repúblicas Estudantis de Ouro Preto: Trajetórias e Importância e; Repúblicas Estudantis de Ouro Preto e a Construção de um Projeto de País.
As repúblicas de Ouro Preto estão injustamente sendo linchadas em função do oportunismo de gente que quer ganhar prestígio, conquistar votos ou promover pequenas vinganças pessoais contra moradores e ex-moradores das repúblicas.
Enquanto os críticos implacáveis das repúblicas tentam instrumentalizar o trabalho da própria Justiça, as repúblicas se organizam e mais uma vez mostram a sua competência para continuar a contribuir com a cidade de Ouro Preto.
Mas a falta de uma baliza ética dos opositores ferrenhos das repúblicas é evidente, pois não sabem distinguir conceitos básicos como igualdade, diferença, público, privado, cidadania e democracia.
O pior de tudo é querer homogeneizar um sistema de repúblicas cujo valor maior é o da diversidade. Uma frase do importante sociólogo português é muito instigante:
“Devemos lutar pela igualdade sempre que a diferença nos inferioriza; devemos lutar pela diferença, sempre que a igualdade nos descaracteriza” (Boaventura de Sousa Santos).
Os críticos implacáveis não pensam nos inúmeros pais ou mães de famílias que dependem das atividades dos estudantes para a sua própria sobrevivência (o limite para a realização do carnaval gerou instabilidade no orçamento de diversos ouropretanos). Eles também não pensam nos diversos estudantes que precisam dos incrementos feitos todos os anos nas repúblicas para o êxito nos seus cursos. E muitos menos nos pais, tios, irmãos, primos, avós e demais familiares dos estudantes que chegam a ficar doentes por causa do terrorismo feito em cima dos estudantes da UFOP que, por estarem longe da casa das famílias, o aumento da angústia é natural.
O modus operandi dos críticos é o mesmo. Primeiro começam a circular boatos sobre as repúblicas, os estudantes e a própria UFOP, com o único objetivo de dividir a sociedade entre os bons e os maus. Eles estão no primeiro time (lógico!). Em seguida começam a tentar legitimar seus posicionamentos a partir de uma base (pseudo) científica. Até a tentativa de instrumentalização e aparelhamento do trabalho da Justiça para atender seus próprios interesses estão se fazendo valer.
O que sempre os estudantes fizeram e fazem para apoiar Ouro Preto é difícil de registrar em curtas palavras. Mas nunca podemos aceitar que meia dúzia de pessoas joguem as milhares de pessoas que vivem na cidade (moradores nascidos na cidade, professores, estudantes, funcionários públicos e tantos outros) umas contra as outras. Quem sairá perdendo é o cidadão que não consegue ter acesso a tantos benefícios, recursos e vantagens que a meia dúzia de caluniadores usufrui.
O princípio da generalização nos argumentos dos opositores às repúblicas é o erro mais comum na explanação. Se uma república comete um pequeno deslize, então cabe estender a culpa a todas as demais. Como não estão conseguindo sucesso atacando as repúblicas federais, o grupo partiu para cima das repúblicas particulares, que também precisam reagir juntas para defender a imagem da UFOP.
Outro princípio é do distanciamento da moradia de Ouro Preto do que existe de melhor em termos de casas de estudantes das outras universidades brasileiras. O critério sócio-econômico já existe nas moradias da UFOP, bem como a seleção dos calouros pelos próprios moradores da república. No aspecto da seleção, conforme percebi em diversas ocasiões que visitei as moradias das duas principais universidades do País (USP e Unicamp), lá são os próprios interessados que buscam os locais que pretendem morar, dialogando com os moradores mais antigos as possibilidades de conquistar uma vaga nas casas.
O critério de escolha dos novos moradores pelos próprios republicanos é algo que Ouro Preto não foge muito das principais instituições do País. Como o calouro precisa ir de casa em casa para conversar com os veteranos e consultá-los sobre a existência de vagas, o perfil esperado dos novos moradores e informes sobre possíveis vagas disponíveis em outros locais, então a AUTONOMIA é uma questão de respeito e é aceitável como um princípio universitário.
A Unicamp é uma das universidades que possuem regulamentos que tratam amplamente de uma discussão educacional e não meramente assistencialista em relação à moradia estudantil, pois entendem que não é apenas fornecer moradia para os estudantes de famílias de baixa renda, mas “proporcionar um espaço de discussão sobre as questões concernentes à Academia, bem como uma área de estudos e produção intelectual, incentivando a formação interdisciplinar”, “possibilitar a integração entre os estudantes e a Comunidade Externa” e “oferecer melhores condições para criação intelectual e a livre manifestação cultural dos estudantes” (UNICAMP. Deliberação Consu-A-24, de 04/12/2001).
A administração da Unicamp enfrenta problemas nas suas moradias de tempos em tempos, que é resolvida na base do diálogo e baseando-se no critério educativo, que são apropriados para uma instituição universitária.
A diferença é que lá a Universidade não é linchada pelos problemas das moradias, muito menos os inconformados querem derrubar as moradias para construir prédios com outras finalidades.
Outro princípio é do “faça o que eu digo mas não o que faço”, cujos maiores críticos implacáveis das repúblicas merecem nossa atenção. Temos o caso de um político da cidade que morou em repúblicas da UFOP, depois mudou de lado e saiu da instituição, passando a criticar de forma sistemática as repúblicas para ganhar visibilidade e votos. É possível que no seu íntimo em nenhum momento passasse uma luz que o fizesse refletir sobre devido retorno à sociedade a partir do que a população gastava em seu benefício.
Temos também casos de estudantes profissionais (que nunca sairão da UFOP) que encontraram na crítica às repúblicas o caminho de saída do anonimato. Os profissionais sofrem de amnésia e não sabem que os ouro-pretanos não aceitam traidores e elementos infiltrados.
Temos os ex-alunos que não moraram em repúblicas e que são ressentidos, ou seja, os que sempre tentaram acabar com as repúblicas porque o seu “mundinho” não é coletivo, é individual. Eles não aceitam que as repúblicas continuem.
Temos uns poucos comerciantes mesquinhos e fortes politicamente que também não aceitam as repúblicas, simplesmente porque acreditam que elas estimulam um turismo alternativo e de baixo custo. E que os nossos jovens sem recursos não precisam ir a Ouro Preto (patrimônio da humanidade). Já ouvi muitos comerciantes falando que o turista com muito dinheiro (de preferência estrangeiro) é de interesse, mas não o brasileiro com pouco dinheiro.
O que os nossos críticos possuem em comum é o descompromisso com a universidade pública. Falam em produtividade, mas o que produzem (quando acontece) não provoca nenhum impacto à vida do povo de Ouro Preto.
Se formos analisar a atuação dos muitos críticos ferrenhos das repúblicas que estão estudando hoje na pós-graduação, o que observamos na prática de 99% deles é a pouca transparência na utilização de recursos públicos, a baixa produtividade, a duplicidade no recebimento de recursos públicos e o pouco empenho no uso racional dos espaços da universidade. O que eles exigem das repúblicas sequer exigem de si mesmos.
A história é fundamental para apresentar as repúblicas como elementos dinâmicos da cidade num período superior a um século. A quantidade de ex-alunos formados, a conservação impecável das casas, o compromisso com a vida universitária, a presença constante na imprensa e o respaldo da própria UFOP e da população de Ouro Preto é o melhor resultado da transparência das repúblicas nos dias de hoje.
Não há segredos, ameaças ou surpresas quando vivemos nas repúblicas. O que existe de união em defesa da coisa pública é difícil de ser encontrado em qualquer lugar por aí. A exigência do compromisso com a casa e os seus moradores é a lição que até hoje não sofreu qualquer abalo, mesmo com a perseguição ferrenha em cima dos estudantes visando desestabilizá-los.
Em outros artigos demonstrei como a “cidade dos estudantes” foi se constituindo ao longo de um século, sempre ativa e altiva.
Elas não deixaram de cumprir sua função social, que é de apoiar os estudantes durante a formação profissional e torná-los ex-alunos de destaque.
Elas não deixaram de cumprir sua missão histórica, que é a de apoiar a conservação da cidade.
Elas não deixaram de cumprir sua tradição, que é o de dotar os estudantes com moradias dignas.
Elas não deixaram sua razão de existir. Dentro da diversidade, ao permitir que o estudante escolha um local de apoio e de aprendizagem constante é um ganho para a universidade. O estudante ganha com o respaldo, o apoio e a familiaridade dos seus colegas.
A maioria das pessoas que promovem declarações caluniosas diretamente às repúblicas de forma genérica e depreciativa sobre um patrimônio singular na cidade de Ouro Preto e do próprio País, é possível que não saibam que, ao tratar o conjunto de estudantes e ex-alunos envolvidos institucional ou sentimentalmente (que de alguma forma pertencem ao conjunto da república) como afetos à práticas ilegais, cometem o crime de calúnia e difamação.
Também caluniar “os estudantes” e os “ex-alunos” como membros de um grupo que não visa atender o interesse público (e que utilizam o patrimônio público de forma criminosa) é ir contra o amplo direito de defesa, cujo texto legal determina que ninguém é culpado de nada antes de ser julgado, condenado e se tenham esgotados todos os recursos.
Uma prática comum dos cidadãos que são expostos injustamente nas mídias (inclusive a eletrônica) como criminosos (e depois de algum tempo quando nada são provados contra eles) é processar seus caluniadores e exigir-lhes indenizações por perdas e danos.
A forma como os defensores do fim das repúblicas e da própria UFOP se dirigem aos estudantes e ex-alunos está dentro de um ato de mais pura intimidação e ameaça, que também é cabível questionamento do ponto de vista legal. O limitador nesses casos é o período curto em função da prescritividade do crime.
Enquanto acusam as repúblicas de tradicionalistas, o que vemos na atuação dos estudantes é a ampliação do seu projeto de futuro, também muito apoiado na vontade de ajudar os estudantes que chegarão à UFOP, a própria Universidade a construir um caminho mais humano na sua expansão e o País na diminuição das desigualdades. Enquanto eles criticam a UFOP, a instituição só sobe de posições no ranking das melhores universidades do Brasil. Enquanto eles ameaçam as repúblicas e a Universidade, o que vemos é o início de um movimento dos moradores em defesa da sua Universidade (Pública!!!!).
O povo de Ouro Preto é muito inteligente e não aceitará que uma minoria prejudique novamente a cidade. Quando a minoria diz falar em nome da maioria sem conhecimento de causa, a fatura é paga pelo lado mais fraco, que já está cansado de perder muito em função da aventura, da loucura, da crueldade e do mandonismo de grupos que nada produzem de fato para a cidade.
Otávio Luiz Machado*
*Pesquisador do NEEPD-UFPE. Ex-Aluno da UFOP. Autor de livros e coletâneas. Destaque para: Repúblicas de Ouro Preto e Mariana: Percursos e Perspectivas; Repúblicas Estudantis de Ouro Preto: Trajetórias e Importância e; Repúblicas Estudantis de Ouro Preto e a Construção de um Projeto de País.
As repúblicas de Ouro Preto estão injustamente sendo linchadas em função do oportunismo de gente que quer ganhar prestígio, conquistar votos ou promover pequenas vinganças pessoais contra moradores e ex-moradores das repúblicas.
Enquanto os críticos implacáveis das repúblicas tentam instrumentalizar o trabalho da própria Justiça, as repúblicas se organizam e mais uma vez mostram a sua competência para continuar a contribuir com a cidade de Ouro Preto.
Mas a falta de uma baliza ética dos opositores ferrenhos das repúblicas é evidente, pois não sabem distinguir conceitos básicos como igualdade, diferença, público, privado, cidadania e democracia.
O pior de tudo é querer homogeneizar um sistema de repúblicas cujo valor maior é o da diversidade. Uma frase do importante sociólogo português é muito instigante:
“Devemos lutar pela igualdade sempre que a diferença nos inferioriza; devemos lutar pela diferença, sempre que a igualdade nos descaracteriza” (Boaventura de Sousa Santos).
Os críticos implacáveis não pensam nos inúmeros pais ou mães de famílias que dependem das atividades dos estudantes para a sua própria sobrevivência (o limite para a realização do carnaval gerou instabilidade no orçamento de diversos ouropretanos). Eles também não pensam nos diversos estudantes que precisam dos incrementos feitos todos os anos nas repúblicas para o êxito nos seus cursos. E muitos menos nos pais, tios, irmãos, primos, avós e demais familiares dos estudantes que chegam a ficar doentes por causa do terrorismo feito em cima dos estudantes da UFOP que, por estarem longe da casa das famílias, o aumento da angústia é natural.
O modus operandi dos críticos é o mesmo. Primeiro começam a circular boatos sobre as repúblicas, os estudantes e a própria UFOP, com o único objetivo de dividir a sociedade entre os bons e os maus. Eles estão no primeiro time (lógico!). Em seguida começam a tentar legitimar seus posicionamentos a partir de uma base (pseudo) científica. Até a tentativa de instrumentalização e aparelhamento do trabalho da Justiça para atender seus próprios interesses estão se fazendo valer.
O que sempre os estudantes fizeram e fazem para apoiar Ouro Preto é difícil de registrar em curtas palavras. Mas nunca podemos aceitar que meia dúzia de pessoas joguem as milhares de pessoas que vivem na cidade (moradores nascidos na cidade, professores, estudantes, funcionários públicos e tantos outros) umas contra as outras. Quem sairá perdendo é o cidadão que não consegue ter acesso a tantos benefícios, recursos e vantagens que a meia dúzia de caluniadores usufrui.
O princípio da generalização nos argumentos dos opositores às repúblicas é o erro mais comum na explanação. Se uma república comete um pequeno deslize, então cabe estender a culpa a todas as demais. Como não estão conseguindo sucesso atacando as repúblicas federais, o grupo partiu para cima das repúblicas particulares, que também precisam reagir juntas para defender a imagem da UFOP.
Outro princípio é do distanciamento da moradia de Ouro Preto do que existe de melhor em termos de casas de estudantes das outras universidades brasileiras. O critério sócio-econômico já existe nas moradias da UFOP, bem como a seleção dos calouros pelos próprios moradores da república. No aspecto da seleção, conforme percebi em diversas ocasiões que visitei as moradias das duas principais universidades do País (USP e Unicamp), lá são os próprios interessados que buscam os locais que pretendem morar, dialogando com os moradores mais antigos as possibilidades de conquistar uma vaga nas casas.
O critério de escolha dos novos moradores pelos próprios republicanos é algo que Ouro Preto não foge muito das principais instituições do País. Como o calouro precisa ir de casa em casa para conversar com os veteranos e consultá-los sobre a existência de vagas, o perfil esperado dos novos moradores e informes sobre possíveis vagas disponíveis em outros locais, então a AUTONOMIA é uma questão de respeito e é aceitável como um princípio universitário.
A Unicamp é uma das universidades que possuem regulamentos que tratam amplamente de uma discussão educacional e não meramente assistencialista em relação à moradia estudantil, pois entendem que não é apenas fornecer moradia para os estudantes de famílias de baixa renda, mas “proporcionar um espaço de discussão sobre as questões concernentes à Academia, bem como uma área de estudos e produção intelectual, incentivando a formação interdisciplinar”, “possibilitar a integração entre os estudantes e a Comunidade Externa” e “oferecer melhores condições para criação intelectual e a livre manifestação cultural dos estudantes” (UNICAMP. Deliberação Consu-A-24, de 04/12/2001).
A administração da Unicamp enfrenta problemas nas suas moradias de tempos em tempos, que é resolvida na base do diálogo e baseando-se no critério educativo, que são apropriados para uma instituição universitária.
A diferença é que lá a Universidade não é linchada pelos problemas das moradias, muito menos os inconformados querem derrubar as moradias para construir prédios com outras finalidades.
Outro princípio é do “faça o que eu digo mas não o que faço”, cujos maiores críticos implacáveis das repúblicas merecem nossa atenção. Temos o caso de um político da cidade que morou em repúblicas da UFOP, depois mudou de lado e saiu da instituição, passando a criticar de forma sistemática as repúblicas para ganhar visibilidade e votos. É possível que no seu íntimo em nenhum momento passasse uma luz que o fizesse refletir sobre devido retorno à sociedade a partir do que a população gastava em seu benefício.
Temos também casos de estudantes profissionais (que nunca sairão da UFOP) que encontraram na crítica às repúblicas o caminho de saída do anonimato. Os profissionais sofrem de amnésia e não sabem que os ouro-pretanos não aceitam traidores e elementos infiltrados.
Temos os ex-alunos que não moraram em repúblicas e que são ressentidos, ou seja, os que sempre tentaram acabar com as repúblicas porque o seu “mundinho” não é coletivo, é individual. Eles não aceitam que as repúblicas continuem.
Temos uns poucos comerciantes mesquinhos e fortes politicamente que também não aceitam as repúblicas, simplesmente porque acreditam que elas estimulam um turismo alternativo e de baixo custo. E que os nossos jovens sem recursos não precisam ir a Ouro Preto (patrimônio da humanidade). Já ouvi muitos comerciantes falando que o turista com muito dinheiro (de preferência estrangeiro) é de interesse, mas não o brasileiro com pouco dinheiro.
O que os nossos críticos possuem em comum é o descompromisso com a universidade pública. Falam em produtividade, mas o que produzem (quando acontece) não provoca nenhum impacto à vida do povo de Ouro Preto.
Se formos analisar a atuação dos muitos críticos ferrenhos das repúblicas que estão estudando hoje na pós-graduação, o que observamos na prática de 99% deles é a pouca transparência na utilização de recursos públicos, a baixa produtividade, a duplicidade no recebimento de recursos públicos e o pouco empenho no uso racional dos espaços da universidade. O que eles exigem das repúblicas sequer exigem de si mesmos.
A história é fundamental para apresentar as repúblicas como elementos dinâmicos da cidade num período superior a um século. A quantidade de ex-alunos formados, a conservação impecável das casas, o compromisso com a vida universitária, a presença constante na imprensa e o respaldo da própria UFOP e da população de Ouro Preto é o melhor resultado da transparência das repúblicas nos dias de hoje.
Não há segredos, ameaças ou surpresas quando vivemos nas repúblicas. O que existe de união em defesa da coisa pública é difícil de ser encontrado em qualquer lugar por aí. A exigência do compromisso com a casa e os seus moradores é a lição que até hoje não sofreu qualquer abalo, mesmo com a perseguição ferrenha em cima dos estudantes visando desestabilizá-los.
Em outros artigos demonstrei como a “cidade dos estudantes” foi se constituindo ao longo de um século, sempre ativa e altiva.
Elas não deixaram de cumprir sua função social, que é de apoiar os estudantes durante a formação profissional e torná-los ex-alunos de destaque.
Elas não deixaram de cumprir sua missão histórica, que é a de apoiar a conservação da cidade.
Elas não deixaram de cumprir sua tradição, que é o de dotar os estudantes com moradias dignas.
Elas não deixaram sua razão de existir. Dentro da diversidade, ao permitir que o estudante escolha um local de apoio e de aprendizagem constante é um ganho para a universidade. O estudante ganha com o respaldo, o apoio e a familiaridade dos seus colegas.
A maioria das pessoas que promovem declarações caluniosas diretamente às repúblicas de forma genérica e depreciativa sobre um patrimônio singular na cidade de Ouro Preto e do próprio País, é possível que não saibam que, ao tratar o conjunto de estudantes e ex-alunos envolvidos institucional ou sentimentalmente (que de alguma forma pertencem ao conjunto da república) como afetos à práticas ilegais, cometem o crime de calúnia e difamação.
Também caluniar “os estudantes” e os “ex-alunos” como membros de um grupo que não visa atender o interesse público (e que utilizam o patrimônio público de forma criminosa) é ir contra o amplo direito de defesa, cujo texto legal determina que ninguém é culpado de nada antes de ser julgado, condenado e se tenham esgotados todos os recursos.
Uma prática comum dos cidadãos que são expostos injustamente nas mídias (inclusive a eletrônica) como criminosos (e depois de algum tempo quando nada são provados contra eles) é processar seus caluniadores e exigir-lhes indenizações por perdas e danos.
A forma como os defensores do fim das repúblicas e da própria UFOP se dirigem aos estudantes e ex-alunos está dentro de um ato de mais pura intimidação e ameaça, que também é cabível questionamento do ponto de vista legal. O limitador nesses casos é o período curto em função da prescritividade do crime.
Enquanto acusam as repúblicas de tradicionalistas, o que vemos na atuação dos estudantes é a ampliação do seu projeto de futuro, também muito apoiado na vontade de ajudar os estudantes que chegarão à UFOP, a própria Universidade a construir um caminho mais humano na sua expansão e o País na diminuição das desigualdades. Enquanto eles criticam a UFOP, a instituição só sobe de posições no ranking das melhores universidades do Brasil. Enquanto eles ameaçam as repúblicas e a Universidade, o que vemos é o início de um movimento dos moradores em defesa da sua Universidade (Pública!!!!).
O povo de Ouro Preto é muito inteligente e não aceitará que uma minoria prejudique novamente a cidade. Quando a minoria diz falar em nome da maioria sem conhecimento de causa, a fatura é paga pelo lado mais fraco, que já está cansado de perder muito em função da aventura, da loucura, da crueldade e do mandonismo de grupos que nada produzem de fato para a cidade.
terça-feira, 6 de abril de 2010
Descrição de Viajante sobre Ouro Preto antes da transferência da capital
FONTE: BURTON, Richard. "Viagem do Rio de Janeiro e Morro Velho". São Paulo: Itatiaia; São Paulo, Ed. da Universidade de S. Paulo, 1976. (Descrições publicadas originalmente em 1869)
p. 296
"As terras em torno da cidade são improdutivas, as montanhas auríferas só podem ser exploradas por companhias e a cidade não é rica. Em Ouro Preto não vi uma única moeda de ouro, e, se não fossem suas pequenas indústrias, a cidade se pareceria com a nossa miserável colônia de Costa do Ouro. Ela vive pelo suor de outras frontes, por sua profissão de capital e pelo dinheiro que o Governo gasta com seus funcionários, o que faz a província queixar-se da "empregocracia". Ficando no caminho entre a metrópole imperial e o Distrito Diamantino, o pequeno comércio tem certa atividade, mas não é provável que isso dure muito tempo. Quanto mais cedo for encontrado novo lugar para a capital, tanto melhor, mas não é fácil, como já disse, encontrar-se um ponto central adequado a tal fim".
p. 296
"As terras em torno da cidade são improdutivas, as montanhas auríferas só podem ser exploradas por companhias e a cidade não é rica. Em Ouro Preto não vi uma única moeda de ouro, e, se não fossem suas pequenas indústrias, a cidade se pareceria com a nossa miserável colônia de Costa do Ouro. Ela vive pelo suor de outras frontes, por sua profissão de capital e pelo dinheiro que o Governo gasta com seus funcionários, o que faz a província queixar-se da "empregocracia". Ficando no caminho entre a metrópole imperial e o Distrito Diamantino, o pequeno comércio tem certa atividade, mas não é provável que isso dure muito tempo. Quanto mais cedo for encontrado novo lugar para a capital, tanto melhor, mas não é fácil, como já disse, encontrar-se um ponto central adequado a tal fim".
Estudantes - uma das entidades históricas fortes da cidade
FONTE: Livro "Guia de Ouro Preto", de Manoel Bandeira. 3a ed. Revista e Atualizada. Rio de Janeiro: Livraria-Editora da Casa do Estudante do Brasil, 1957, p. 163 (1a ed. 1938).
P. 163
"ASSOCIAÇÕES - Associação Comercial, rua Tiradentes.
Centro Acadêmico. Escola de Minas. Publica uma revista, único órgão de imprensa da cidade.
Clube 15 de Novembro. Associação operária.
Sociedade de S. Vicente de Paulo, rua de S. José.
Associação de S. Luís Gonzaga.
Associação de Santa Isabel de Hungria.
Confederação das Associações Católicas.
Pia União das Filhas de Maria, Santa Casa.
Clube de Lacaios.
União Operária S. José".
P. 163
"ASSOCIAÇÕES - Associação Comercial, rua Tiradentes.
Centro Acadêmico. Escola de Minas. Publica uma revista, único órgão de imprensa da cidade.
Clube 15 de Novembro. Associação operária.
Sociedade de S. Vicente de Paulo, rua de S. José.
Associação de S. Luís Gonzaga.
Associação de Santa Isabel de Hungria.
Confederação das Associações Católicas.
Pia União das Filhas de Maria, Santa Casa.
Clube de Lacaios.
União Operária S. José".
sábado, 3 de abril de 2010
Texto moradias estudantis: a ditadura da universidade vista de perto
TÍTULO: moradias estudantis: a ditadura da universidade vista de perto
FONTE: Jornal Causa Operária
DATA: 28-03-2010
A greve de 2009 e o confronto dos estudantes com a polícia revelou a verdadeira ditadura que são as universidades brasileiras.
“A universidade não é uma democracia”, como já tinha exposto a ala mais direitista da burocracia universitária. E foi isso que veio à tona com a recente ocupação da sede da Coordenadora de Assistência Social (Coseas), responsável pela moradia e pela assistência estudantil na USP.
No local se encontravam dezenas de fichas que mostravam um sistema estabelecido, reconhecido e regular de espionagem dos estudantes que moram no Conjunto Residencial da USP (CRUSP).
Relatórios dos “porteiros” , verdadeiros policiais que têm o papel de vigiar de perto a vida dos estudantes a mando da universidade, controlavam não apenas o horário de chegada e saída dos moradores, mas detalhes do dia-a-dia do CRUSP.
Desde festas, com seu horário de duração, participantes, tipo de música etc., até a troca de namorados dos estudantes e até mesmo um controle de visita da filha de determinada moradora foram encontradas nos referidos relatórios.
Como não poderia deixar de ser, os espiões da reitoria retratavam cuidadosamente todas as reuniões e assembléias estudantis feitas no local, com os participantes e o assunto discutido. Esta é evidente a ponta de um gigantesco iceberg, de casos ainda mais escandalosos que, ou não foram achados, ou se encontram em local mais secreto do que a sede da Coseas.
Mesmo isto não é novidade. O Sindicato dos Trabalhadores da USP já havia denunciado que a guarda universitária mantinha relatórios diários e de hora em ora da atividade de um de seus diretores, Claudionor Brandão, demitido em 2008 pela reitoria, em uma evidente perseguição política ao companheiro.
Esse tipo de atividade, que vem desde a ditadura militar e permanece absolutamente a mesma até hoje, é totalmente inconstitucional.
Para dizer o mínimo, fere completamente a privacidade dos quase dois mil estudantes que habitam a moradia e constitui uma verdadeira espionagem ao estilo SNI dos estudantes e o cerceamento dos seus direitos políticos e de organização. Estes são tratados na moradia como verdadeiros prisioneiros sob liberdade condicional, que não têm direito sequer sobre o próprio local em que vivem.
Se é fato que a forma como a universidade é atualmente dirigida é uma ditadura, e os últimos acontecimentos só têm comprovado isso, a moradia estudantil é a melhor e mais completo retrato desta ditadura.
Aí a Reitoria, e por meio dela o governo, exercem uma total dominação, passando por cima dos direitos mais básicos dos estudantes. Em documento, a universidade deixa explícita a preocupação e o trabalho para evitar que a moradia não se torne um terreno fértil para a propagação de idéias de extrema esquerda e a necessidade de, por isso, a controlar com mão de ferro.
Essa situação não é exclusiva da USP, mas é a regra geral nas moradias de todas as universidades públicas. É preciso colocar um fim a tamanha ditadura. É preciso acabar com a vigilância e controle da universidade sobre a vida das pessoas.
Cada vez mais se coloca claramente a necessidade de substituir a camarilha que atualmente manda na universidade – e por meio da qual o governo e os capitalistas tiram proveito da universidade – por um governo amplo e verdadeiramente democrático de todos os seus setores, composto por funcionários , professores e uma maioria de estudantes.
FONTE: Jornal Causa Operária
DATA: 28-03-2010
A greve de 2009 e o confronto dos estudantes com a polícia revelou a verdadeira ditadura que são as universidades brasileiras.
“A universidade não é uma democracia”, como já tinha exposto a ala mais direitista da burocracia universitária. E foi isso que veio à tona com a recente ocupação da sede da Coordenadora de Assistência Social (Coseas), responsável pela moradia e pela assistência estudantil na USP.
No local se encontravam dezenas de fichas que mostravam um sistema estabelecido, reconhecido e regular de espionagem dos estudantes que moram no Conjunto Residencial da USP (CRUSP).
Relatórios dos “porteiros” , verdadeiros policiais que têm o papel de vigiar de perto a vida dos estudantes a mando da universidade, controlavam não apenas o horário de chegada e saída dos moradores, mas detalhes do dia-a-dia do CRUSP.
Desde festas, com seu horário de duração, participantes, tipo de música etc., até a troca de namorados dos estudantes e até mesmo um controle de visita da filha de determinada moradora foram encontradas nos referidos relatórios.
Como não poderia deixar de ser, os espiões da reitoria retratavam cuidadosamente todas as reuniões e assembléias estudantis feitas no local, com os participantes e o assunto discutido. Esta é evidente a ponta de um gigantesco iceberg, de casos ainda mais escandalosos que, ou não foram achados, ou se encontram em local mais secreto do que a sede da Coseas.
Mesmo isto não é novidade. O Sindicato dos Trabalhadores da USP já havia denunciado que a guarda universitária mantinha relatórios diários e de hora em ora da atividade de um de seus diretores, Claudionor Brandão, demitido em 2008 pela reitoria, em uma evidente perseguição política ao companheiro.
Esse tipo de atividade, que vem desde a ditadura militar e permanece absolutamente a mesma até hoje, é totalmente inconstitucional.
Para dizer o mínimo, fere completamente a privacidade dos quase dois mil estudantes que habitam a moradia e constitui uma verdadeira espionagem ao estilo SNI dos estudantes e o cerceamento dos seus direitos políticos e de organização. Estes são tratados na moradia como verdadeiros prisioneiros sob liberdade condicional, que não têm direito sequer sobre o próprio local em que vivem.
Se é fato que a forma como a universidade é atualmente dirigida é uma ditadura, e os últimos acontecimentos só têm comprovado isso, a moradia estudantil é a melhor e mais completo retrato desta ditadura.
Aí a Reitoria, e por meio dela o governo, exercem uma total dominação, passando por cima dos direitos mais básicos dos estudantes. Em documento, a universidade deixa explícita a preocupação e o trabalho para evitar que a moradia não se torne um terreno fértil para a propagação de idéias de extrema esquerda e a necessidade de, por isso, a controlar com mão de ferro.
Essa situação não é exclusiva da USP, mas é a regra geral nas moradias de todas as universidades públicas. É preciso colocar um fim a tamanha ditadura. É preciso acabar com a vigilância e controle da universidade sobre a vida das pessoas.
Cada vez mais se coloca claramente a necessidade de substituir a camarilha que atualmente manda na universidade – e por meio da qual o governo e os capitalistas tiram proveito da universidade – por um governo amplo e verdadeiramente democrático de todos os seus setores, composto por funcionários , professores e uma maioria de estudantes.
sexta-feira, 2 de abril de 2010
Trechos do livro de Maria Aracy Lessa. “ Ouro Preto do meu tempo”.
Trechos do livro de Maria Aracy Lessa. “ Ouro Preto do meu tempo”. Prefácio de Antônio Olinto. 2ª ed. (1ª ed. 1967). São Paulo: IBRASA, 1981.
DADOS DA AUTORA: Maria Aracy Lessa formou-se pela Escola Normal de Ouro Preto. Em 1916 foi nomeada professora adjunta da Escola Mista de Antônio Dias.
“Era muito diferente Ouro Preto no começo do século. Por volta de 1914 as moças pouco saiam de casa. Os homens se encontravam para falar de mulheres, tratar de políticas ou contar anedotas nas vendas ou armazéns que dispusessem de espaço para uma mesa e quatro cadeiras. Das que me recordo nesse gênero, havia uma na Rua do Ouvidor, do Coronel Netto, onde compravam cereais, lataria, bebidas; venda bem sortida para gente endinheirada. Lá se abancavam sob pretexto de pagar ou de comprar e, apesar do tamanho do ambiente, comendo presunto ou queijo, servidos por caixeiro ou pelo dono da casa, senhor de fino trato, grandes posses e boa prosa.
(...)
Quando pela primeira vez, se tornou obrigatória por lei votada pelo Congresso Federal a vacina contra a varíola, que de 1904 a 1906 originou a revolta dos quebra-lampeões, eu tremia apavorada quando batiam a aldraba da porta do corredor de nossa casa, pois muito sofreram minhas tias, todas professoras, obrigadas, sob pena de suspensão do cargo que ocupavam, e que era o seu único ganha-pão, a fazê-la executar.
Muitos pais não se conformaram com a obrigatoriedade da vacinação e as pobres professoras tiveram de passar pelos maiores vexames, porque tinham de escutar impropérios sem conta desses inconformados.
Houve certa vez até necessidade de Mana pedir um soldado para guardar a porta da escola em Antônio Dias, porque um desses truculentos pais ameaçou matá-la caso seu filho fosse vacinado.
Quando minhas tias contavam os padecimentos que sofreram como professoras pelo interior do Estado de Minas, em cidade opnde o diabo perdeu as botas, euj me arrepiava de pavor, pois as lutas entre o Partido Conservador e o Liberal eram de fazer medo.
(...)
Fiz o primeiro e o segundo ano normal em Mariana, no Colégio da Providência, educandário famoso, dirigido por irmas Vicentinas, entre as quais havia duas de Ouro Preto: Irmã Gabriela e Irmã Rosa – ambas professoras.
Com a criação da Escola Normal saí do internato e fui cursar o 3º ano nessa escola.
Conhecia o Francês bastante bem, língua bem cuidada com esmero pelas irmãs, na maioria francesas, o Português bem regularmente. Meus problemas eram Aritmética e Geometria.
Essas matérias eram dadas pelos livros de Albourt para o Francês, João Ribeiro para o português.
Aritmética de Trajano, Geometria de F.T.D. – nomes hoje desaparecidos no torvelinho de reformas de ensino e pelo aparecimento de novos didatas – é que não me entravam na cabeça.
O 3º ano da Escola Normal de Ouro Preto era apertado. Nossos professores eram os mesmos que lecionavam na Escola de Minas e no ginásio, nomes famosos como o do Dr. Alfredo Baeta Neves, o diretor da Escola, Dr. Viana do Castelo, Dr. Emílio de Lima, Sr. Rosalino Ponciano Gomes, célebre professor de Português, Dr. Afonso Costa Cruz, de Francês.
(...)
PATUSCADA DE ESTUDANTES
Algumas das pessoas que nos acompanharam em excursões a Ouro Preto, ao verem aquele mundão de repúblicas de estudantes, perguntavam-se os rapazes do meu tempo eram dados a patuscadas como os rapazes de agora.
Em Ouro Preto, as famílias sempre fecharam os olhos às travessuras dos estudantes. Conheço várias que deixam muito pra trás a travessura dos estudantes que moravam na Pensão Vermelha, fazendo soar a horas mortas o sino da Igreja de São Francisco de Assis, ali bem defronte, o que conseguiram amarrando um fio de náilon no badalo do sino e levando-a até as janelas do casarão, num alarma que fez muita gente sair do leito e correr até aquele local, pois em Ouro Preto, naquele tempo, sino tocando fora de hora era aviso de incêndio, e pasmou a todos, pois de pronto ninguém com a sua causa atinou. E o sino a badalar invisível, como se fosse tangido por almas do outro mundo. Esse fato foi sobejamente noticiado por jornais de Belo Horizonte, da época. Outro fato, mais recente, conta que vozes misteriosas cantavam fora de hora na Igreja do Rosário e que, descoberto, fez com que as assombrações de Ouro Preto ficassem de vez tão desacreditadas que as próprias assombrações não mais costumavam cobrir-se de lençóis, como certa vez, lá pelos idos de 1912, aconteceu em casa de Seu Manuelzinho de Lima, um amigo de minhas tias que morava na então Rua dos Paulistas. Eis o relato:
– D. Mariquinhas. Até agora eu estou sem saber o que pensar do fato que ocorreu esta noite. Calcule a senhora que eu tendo sabido, por fonte limpa, que os estudantes iriam dar uma batida no quintal lá de casa, para furtar os figos que estavam maduros, mandei a mesma pessoa avisar-lhes que os esperaria com a minha espingarda cheia de chumbo miúdo. E esperei. Trepei em cima de um abacateiro e, de dez horas da noite em diante, comecei a esperar. Lá pelas onze e meia, vi um vulto todo de branco, da cabeça aos pés, pular o muro. Deu uns dez passos e eu firme na minha tocaia. Logo em seguida, quando me dispunha a atirar, surge um segundo vulto, igual ao primeiro, que caminha e pára logo atrás desse, outro vulto que se posta atrás dos outros dois em fila e assim, sucessivamente, até que ficaram sete. Aí a fila começou a se mover para o meu lado! E dizia assim, em voz soturna:
- Quando éramos vivos, por aqui comíamos os nossos figos. Agora que somos mortos, por aqui andam os nossos corpos.
Vinham eretos para cima de mim. Desci de um pulo e corri para casa. Ao correr a espingarda disparou. Olhei para trás e eles parados estavam, parados ficaram, somente mudaram a ladainha:
– Companheiro da dianteira, quem é o vulto que vai assim nesta carreira?
O da dianteira, quase me pegando, surrurrou:
- Companheiro que está correndo, não vá assim se escafedendo!
Hoje, Ouro Preto, a cidade turística mais visitada do Brasil, com seus festivais de inverno, com gente de todos os quadrantes, tendo a recordar-lhe o passado apenas o casario colonial e seus monumentos, não tem mais fantasmas, nem se pode conceber que esse Ouro Preto aqui relatado existiu até com assombrações e poetas populares cantando suas cazuarinas e seu lugar. Eis um soneto, escrito pelo saudoso amigo Gumercindo Saraiva. Não é, certamente, um poema famoso, mas prova a transformação do Saramenha, onde outrora iam as famílias fazer seus piqueniques e onde o gênio de Américo Renê Gianetti criou a fábrica de alumínio que deu a Ouro Preto o primeiro impulso do progresso em que hoje vive. É desse Ouro Preto o soneto:
Como era triste o Saramenha outrora,
E as cazuarinas, ao sabor dos ventos,
Um gemido soturno de quem chora,
De quem vive em constante desalento.
Mas, ao raiar de alviçareira aurora,
Que rasga o manto azul do firmamento,
Um outro Saramenhaa eu vejo agora
No surto de maior empreendimento.
Não mais existe aquela inculta brenha
Em que jazia o velho Saramenha,
Do povo ouropretano, o ideal.
Após o temporal veio a bonança:
Saramenha, tão cheia de lembranças,
É hoje uma cidade industrial.
{Trechos retirados das páginas 17 (capítulo “Nossa Rua e Nossos Vizinhos”), p. 44-5 (Capítulo “Vacina Obrigatória e Perseguições Políticas”, p. 66-67 (Capítulo “O Colecionador de Pulgas” e p. 140-142 (todo o Capítulo “Patuscada de Estudantes”}
DADOS DA AUTORA: Maria Aracy Lessa formou-se pela Escola Normal de Ouro Preto. Em 1916 foi nomeada professora adjunta da Escola Mista de Antônio Dias.
“Era muito diferente Ouro Preto no começo do século. Por volta de 1914 as moças pouco saiam de casa. Os homens se encontravam para falar de mulheres, tratar de políticas ou contar anedotas nas vendas ou armazéns que dispusessem de espaço para uma mesa e quatro cadeiras. Das que me recordo nesse gênero, havia uma na Rua do Ouvidor, do Coronel Netto, onde compravam cereais, lataria, bebidas; venda bem sortida para gente endinheirada. Lá se abancavam sob pretexto de pagar ou de comprar e, apesar do tamanho do ambiente, comendo presunto ou queijo, servidos por caixeiro ou pelo dono da casa, senhor de fino trato, grandes posses e boa prosa.
(...)
Quando pela primeira vez, se tornou obrigatória por lei votada pelo Congresso Federal a vacina contra a varíola, que de 1904 a 1906 originou a revolta dos quebra-lampeões, eu tremia apavorada quando batiam a aldraba da porta do corredor de nossa casa, pois muito sofreram minhas tias, todas professoras, obrigadas, sob pena de suspensão do cargo que ocupavam, e que era o seu único ganha-pão, a fazê-la executar.
Muitos pais não se conformaram com a obrigatoriedade da vacinação e as pobres professoras tiveram de passar pelos maiores vexames, porque tinham de escutar impropérios sem conta desses inconformados.
Houve certa vez até necessidade de Mana pedir um soldado para guardar a porta da escola em Antônio Dias, porque um desses truculentos pais ameaçou matá-la caso seu filho fosse vacinado.
Quando minhas tias contavam os padecimentos que sofreram como professoras pelo interior do Estado de Minas, em cidade opnde o diabo perdeu as botas, euj me arrepiava de pavor, pois as lutas entre o Partido Conservador e o Liberal eram de fazer medo.
(...)
Fiz o primeiro e o segundo ano normal em Mariana, no Colégio da Providência, educandário famoso, dirigido por irmas Vicentinas, entre as quais havia duas de Ouro Preto: Irmã Gabriela e Irmã Rosa – ambas professoras.
Com a criação da Escola Normal saí do internato e fui cursar o 3º ano nessa escola.
Conhecia o Francês bastante bem, língua bem cuidada com esmero pelas irmãs, na maioria francesas, o Português bem regularmente. Meus problemas eram Aritmética e Geometria.
Essas matérias eram dadas pelos livros de Albourt para o Francês, João Ribeiro para o português.
Aritmética de Trajano, Geometria de F.T.D. – nomes hoje desaparecidos no torvelinho de reformas de ensino e pelo aparecimento de novos didatas – é que não me entravam na cabeça.
O 3º ano da Escola Normal de Ouro Preto era apertado. Nossos professores eram os mesmos que lecionavam na Escola de Minas e no ginásio, nomes famosos como o do Dr. Alfredo Baeta Neves, o diretor da Escola, Dr. Viana do Castelo, Dr. Emílio de Lima, Sr. Rosalino Ponciano Gomes, célebre professor de Português, Dr. Afonso Costa Cruz, de Francês.
(...)
PATUSCADA DE ESTUDANTES
Algumas das pessoas que nos acompanharam em excursões a Ouro Preto, ao verem aquele mundão de repúblicas de estudantes, perguntavam-se os rapazes do meu tempo eram dados a patuscadas como os rapazes de agora.
Em Ouro Preto, as famílias sempre fecharam os olhos às travessuras dos estudantes. Conheço várias que deixam muito pra trás a travessura dos estudantes que moravam na Pensão Vermelha, fazendo soar a horas mortas o sino da Igreja de São Francisco de Assis, ali bem defronte, o que conseguiram amarrando um fio de náilon no badalo do sino e levando-a até as janelas do casarão, num alarma que fez muita gente sair do leito e correr até aquele local, pois em Ouro Preto, naquele tempo, sino tocando fora de hora era aviso de incêndio, e pasmou a todos, pois de pronto ninguém com a sua causa atinou. E o sino a badalar invisível, como se fosse tangido por almas do outro mundo. Esse fato foi sobejamente noticiado por jornais de Belo Horizonte, da época. Outro fato, mais recente, conta que vozes misteriosas cantavam fora de hora na Igreja do Rosário e que, descoberto, fez com que as assombrações de Ouro Preto ficassem de vez tão desacreditadas que as próprias assombrações não mais costumavam cobrir-se de lençóis, como certa vez, lá pelos idos de 1912, aconteceu em casa de Seu Manuelzinho de Lima, um amigo de minhas tias que morava na então Rua dos Paulistas. Eis o relato:
– D. Mariquinhas. Até agora eu estou sem saber o que pensar do fato que ocorreu esta noite. Calcule a senhora que eu tendo sabido, por fonte limpa, que os estudantes iriam dar uma batida no quintal lá de casa, para furtar os figos que estavam maduros, mandei a mesma pessoa avisar-lhes que os esperaria com a minha espingarda cheia de chumbo miúdo. E esperei. Trepei em cima de um abacateiro e, de dez horas da noite em diante, comecei a esperar. Lá pelas onze e meia, vi um vulto todo de branco, da cabeça aos pés, pular o muro. Deu uns dez passos e eu firme na minha tocaia. Logo em seguida, quando me dispunha a atirar, surge um segundo vulto, igual ao primeiro, que caminha e pára logo atrás desse, outro vulto que se posta atrás dos outros dois em fila e assim, sucessivamente, até que ficaram sete. Aí a fila começou a se mover para o meu lado! E dizia assim, em voz soturna:
- Quando éramos vivos, por aqui comíamos os nossos figos. Agora que somos mortos, por aqui andam os nossos corpos.
Vinham eretos para cima de mim. Desci de um pulo e corri para casa. Ao correr a espingarda disparou. Olhei para trás e eles parados estavam, parados ficaram, somente mudaram a ladainha:
– Companheiro da dianteira, quem é o vulto que vai assim nesta carreira?
O da dianteira, quase me pegando, surrurrou:
- Companheiro que está correndo, não vá assim se escafedendo!
Hoje, Ouro Preto, a cidade turística mais visitada do Brasil, com seus festivais de inverno, com gente de todos os quadrantes, tendo a recordar-lhe o passado apenas o casario colonial e seus monumentos, não tem mais fantasmas, nem se pode conceber que esse Ouro Preto aqui relatado existiu até com assombrações e poetas populares cantando suas cazuarinas e seu lugar. Eis um soneto, escrito pelo saudoso amigo Gumercindo Saraiva. Não é, certamente, um poema famoso, mas prova a transformação do Saramenha, onde outrora iam as famílias fazer seus piqueniques e onde o gênio de Américo Renê Gianetti criou a fábrica de alumínio que deu a Ouro Preto o primeiro impulso do progresso em que hoje vive. É desse Ouro Preto o soneto:
Como era triste o Saramenha outrora,
E as cazuarinas, ao sabor dos ventos,
Um gemido soturno de quem chora,
De quem vive em constante desalento.
Mas, ao raiar de alviçareira aurora,
Que rasga o manto azul do firmamento,
Um outro Saramenhaa eu vejo agora
No surto de maior empreendimento.
Não mais existe aquela inculta brenha
Em que jazia o velho Saramenha,
Do povo ouropretano, o ideal.
Após o temporal veio a bonança:
Saramenha, tão cheia de lembranças,
É hoje uma cidade industrial.
{Trechos retirados das páginas 17 (capítulo “Nossa Rua e Nossos Vizinhos”), p. 44-5 (Capítulo “Vacina Obrigatória e Perseguições Políticas”, p. 66-67 (Capítulo “O Colecionador de Pulgas” e p. 140-142 (todo o Capítulo “Patuscada de Estudantes”}
A defesa da liberdade será o alvo mais elevado do X Congresso de Estudantes: Solidariedade aos grevistas de Ouro Preto
Matéria: Jornal Povo
Data: 11 de julho de 1947
Título: A defesa da liberdade será o alvo mais elevado do X Congresso de Estudantes
Sub-título: Solidariedade aos grevistas de Ouro Preto – A embaixada mineira honrará suas tradições democráticas.
Realizou-se ontem, na sede da União Estadual dos Estudantes, a reunião preparatória dos representantes da classe estudantil mineira ao X Congresso Nacional dos Estudantes.
O objetivo da reunião foi o de ultimar os preparativos para a partida da embaixada mineira, bem como para estudar a sua participação naquele magno conclave.
COMISSÃO DIRETORA DA EMBAIXADA
Abriu a sessão o Presidente da U.E.E. em exercício, universitário Roberto Gusmão, que prestou os ultimos esclarecimentos e falou na importancia do X Congresso e da necessidade dos representantes de Minas agirem unidos e de acordo com as tradições estudantis do nosso Estado. Leu, em seguida, os nomes da Comissão Diretora da Embaixada, que está assim constituida: – Roberto Gusmão – Bernardino M. de Lima – Venero Cartome – Hugo Mietzsch – Paulo Gaetani – Fausto Mata Machado.
Depois de ficarem resolvidos diversos assuntos relacionados com a ida dos estudantes mineiros, foi encerrada a questão.
OUVINDO OS UNIVERSITÁRIOS
Aproveitamos a oportunidade para conseguirmos algumas declarações dos líderes universitários sobre o X Congresso Nacional dos Estudantes.
O primeiro entrevistado foi o representante da Faculdade de Direito, o estudante José Arnaldo Gonçalves, que nos disse:
– “Necessitamos encarar o Congresso com a maxima seriedade, porque muito pode ser útil á nossa classe”.
Fausto M. Machado, membro da Comissão Diretora, nos deu a seguinte declaração:
– “O X Congresso será um grande passo para liquidar com o desligamento que existe entre o estudante e os seus problemas estudantis, especialmente no que se refere á solidariedade aos estudantes grevistas de Ouro Preto e á situacao precaria da U.E.E., que não tem o menor apoio oficial.
No X Congresso será encarado seriamente o problema político e por este motivo devia ser denominado de “Congresso de Paz”.
DECLARAÇÕES DO PRESIDENTE DA U.E.E.
Respondendo o nosso inquerito, ouvimos do Presidente da U.E.E., o universitário Roberto Gusmão, as seguintes declarações:
– “No X Congresso devemos manter a nossa unidade, continuando as nossas tradições, afim de não desmerecermos o passado de luta dos estudantes mineiros, porque a “U.E.E.” não é somente um nome, mas um movimento”.
A DEFESA DA LIBERDADE
Outro membro da comissão Diretora, Artur Paixão, disse-nos o seguinte:
– “O fim imediato do Congresso é resolver e cooperar na solução dos problemas dos estudantes. Não devemos, por isto, restringir o campo de ação desse Congresso. É imprescindível que estudemos e discutamos o problema política nacional, a crise econômica, a produção e outros problemas cruciais.
A defesa da liberdade deverá, e felizmente tem sido, o alvo mais elevado dos nossos colegas de todos os pontos do país”.
TERÁ UM PAPEL DE GRANDE IMPORTÂNCIA
O ultimo entrevistado foi o estudante Jair Leonardo, que assim se externou:
“Nenhuma classe tem influenciado mais nos destinos políticos da Nação que a classe universitária, nenhuma também tem sido mais esquecida. Eis porque entendemos que terá um papel da maior importância para a nossa classe o nosso Congresso, através do qual faremos chegar ao governo as nossas mais sentidas reivindicações”.
Data: 11 de julho de 1947
Título: A defesa da liberdade será o alvo mais elevado do X Congresso de Estudantes
Sub-título: Solidariedade aos grevistas de Ouro Preto – A embaixada mineira honrará suas tradições democráticas.
Realizou-se ontem, na sede da União Estadual dos Estudantes, a reunião preparatória dos representantes da classe estudantil mineira ao X Congresso Nacional dos Estudantes.
O objetivo da reunião foi o de ultimar os preparativos para a partida da embaixada mineira, bem como para estudar a sua participação naquele magno conclave.
COMISSÃO DIRETORA DA EMBAIXADA
Abriu a sessão o Presidente da U.E.E. em exercício, universitário Roberto Gusmão, que prestou os ultimos esclarecimentos e falou na importancia do X Congresso e da necessidade dos representantes de Minas agirem unidos e de acordo com as tradições estudantis do nosso Estado. Leu, em seguida, os nomes da Comissão Diretora da Embaixada, que está assim constituida: – Roberto Gusmão – Bernardino M. de Lima – Venero Cartome – Hugo Mietzsch – Paulo Gaetani – Fausto Mata Machado.
Depois de ficarem resolvidos diversos assuntos relacionados com a ida dos estudantes mineiros, foi encerrada a questão.
OUVINDO OS UNIVERSITÁRIOS
Aproveitamos a oportunidade para conseguirmos algumas declarações dos líderes universitários sobre o X Congresso Nacional dos Estudantes.
O primeiro entrevistado foi o representante da Faculdade de Direito, o estudante José Arnaldo Gonçalves, que nos disse:
– “Necessitamos encarar o Congresso com a maxima seriedade, porque muito pode ser útil á nossa classe”.
Fausto M. Machado, membro da Comissão Diretora, nos deu a seguinte declaração:
– “O X Congresso será um grande passo para liquidar com o desligamento que existe entre o estudante e os seus problemas estudantis, especialmente no que se refere á solidariedade aos estudantes grevistas de Ouro Preto e á situacao precaria da U.E.E., que não tem o menor apoio oficial.
No X Congresso será encarado seriamente o problema político e por este motivo devia ser denominado de “Congresso de Paz”.
DECLARAÇÕES DO PRESIDENTE DA U.E.E.
Respondendo o nosso inquerito, ouvimos do Presidente da U.E.E., o universitário Roberto Gusmão, as seguintes declarações:
– “No X Congresso devemos manter a nossa unidade, continuando as nossas tradições, afim de não desmerecermos o passado de luta dos estudantes mineiros, porque a “U.E.E.” não é somente um nome, mas um movimento”.
A DEFESA DA LIBERDADE
Outro membro da comissão Diretora, Artur Paixão, disse-nos o seguinte:
– “O fim imediato do Congresso é resolver e cooperar na solução dos problemas dos estudantes. Não devemos, por isto, restringir o campo de ação desse Congresso. É imprescindível que estudemos e discutamos o problema política nacional, a crise econômica, a produção e outros problemas cruciais.
A defesa da liberdade deverá, e felizmente tem sido, o alvo mais elevado dos nossos colegas de todos os pontos do país”.
TERÁ UM PAPEL DE GRANDE IMPORTÂNCIA
O ultimo entrevistado foi o estudante Jair Leonardo, que assim se externou:
“Nenhuma classe tem influenciado mais nos destinos políticos da Nação que a classe universitária, nenhuma também tem sido mais esquecida. Eis porque entendemos que terá um papel da maior importância para a nossa classe o nosso Congresso, através do qual faremos chegar ao governo as nossas mais sentidas reivindicações”.
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